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Zeca Brito fala da importância Tarso de Castro e do Pasquim no jornalismo

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Um dos mais importantes e polêmicos jornalistas do Brasil, personagem fascinante e muito complexo do jornalismo que quase teve sua história apagada é lembrada de forma tão urgente, assim como a discussão sobre jornalismo, atualmente. A Vida Extra-Ordinária de Tarso de Castro relembra a geração de intelectuais que resistiram à ditadura militar e promoveram uma verdadeira revolução nos costumes e na cultura brasileira.

O documentário, com direção de Leo Garcia e Zeca Brito, traz depoimentos do cartunista Jaguar, o jornalista Sérgio Cabral (pai), Caetano Veloso, Nelson Motta, Paulo Caruso, Gilda Midani, ex-mulher e mãe de João Vicente de Castro, filho de Tarso, entre outros.

Confira a entrevista com Zeca Brito, um dos diretores e realizadores do longa.

O que te levou a fazer um documentário sobre Tarso de Castro? Como foi o processo de pesquisa?  Como foi o envolvimento do filho dele no processo da construção do filme?
Zeca Brito – Então, o filme é feito em parceria com o Leo Garcia, que tem família em Passo Fundo. Mesmo não sendo leitor do Pasquim, havia na família dele essa memoria de que ali na cidade tinha um grande personagem relevante para a cidade e para o Brasil.

Há uns oito anos atrás, o Leo ganhou de presente a biografia do Tom Cardoso, “75 quilos de músculos e fúria”, sobre o Tarso de Castro. Lendo o livro, o Leo viu que tinha um personagem pronto e achou que dava um filme de ficção. Ai ele me chamou para conversar e me emprestou o livro. E ai, a gente iniciou o processo de pesquisa e decidimos fazer um documentário. Partimos em busca da pesquisa da Sonia Bertol, que faz toda uma analise da contribuição jornalística do Tarso, da linguagem do Pasquim, do espaço anárquico de convivência.

Uma equipe de pesquisadores passou quase um ano em busca de arquivos na Associação Brasileira de Imprensa e na Biblioteca Nacional. E foi  ai que descobrimos que numa reedição do Pasquim, as crônicas do Tarso foram tiradas das republicações. Isso despertou um interesse maior ainda. E ai a gente decidiu buscar essa outra visão da história.

A relação com o João foi muito saudável desde o inicio. A gente sempre tentou manter certo distanciamento para poder preservar as relações e para poder mostrar no momento certo o filme, podendo tocar em todos os assuntos. Ele foi muito generoso, de não ter nenhum controle sobre o que a gente estava fazendo e nos deixar fazer. Ele entrou no momento certo, quando a gente já estava filmando, inclusive, a gente deixou para fazer a entrevista com ele, por último, muito para também ele estar preparado para entender o personagem e chegar nesse clímax de afeto, que é a existência desse legado que Tarso deixou.

O documentário foge da ideia de ser uma biografia, como foi desenvolvida a questão de sua narrativa?
Zeca Brito – A gente não tinha a preocupação, a intenção de fazer um filme absoluto sobre o Tarso, a proposta é fazer um recorte sobre ele, além do fato da história oficial não ter dado o devido protagonismo que ele merecia ter. A gente resolveu buscar essa outra visão da história. Nesse sentido o filme é bem parcial. É a visão da geração do Tarso sobre ele e os rumos do jornalismo brasileiro.

Fizemos um recorte geracional, através dos diálogos de uma geração trazer o personagem, não necessariamente através de entrevistas unilaterais, onde se estabelece uma relação entre entrevistador e entrevistado. Foi uma linguagem mais informal para a narrativa do filme.

Nós linkamos algumas histórias, anedotas, passagens que a gente achava que eram paradigmáticas no inicio, no meio e no fim da vida dele. E criamos situações onde os personagens falam dessas histórias. Então, há uma condução, mas é parcial, é uma condução que se dá na construção da cena. Nós sabíamos que se juntasse tal e tal personagem a gente teria a história do Pasquim, por exemplo. A proposta é estabelecer um olhar sobre o Tarso literalmente, falando, sem estabelecer um eixo de olhar.

O documentário tem um olhar poético e visceral, em seus depoimentos. Você insere na montagem grandes nomes da música e do cinema brasileiro, como foi o processo de escolha dos depoimentos?
Zeca Brito – O Tarso está nesse conjunto de coisas, como se fosse um Deus, uma comunicação de algo maior que encontra o Tarso. Por isso, a gente propôs tanto as conversas através de encontros para que esses diálogos acontecessem, como as conversas por telefone que proporcionava chegar a personagens que não queriam nos receber. Então, por exemplo, a gente propõe que o Jaguar ligue para o Ziraldo. Ele não quer dar uma entrevista, mas aceita receber uma ligação do Jaguar, e o Jaguar quase que numa brincadeira reproduz o que o Ziraldo está dizendo do outro lado. Então, a ideia é de mostrar o Tarso, como se ele tivesse presente, através de uma memoria afetiva.

A gente tentou buscar a linguagem do Tarso, de ser um cronista do seu tempo, e assim, a geração dele entra em cena. Os personagens do filme são personagens que já habitam o universo do Tarso. Ele se abastecia dessa vida real dos amigos, das pessoas que ele convivia. Construímos o filme, nesse jogo de afeto, com uma visão apaixonada pelo Tarso, declaradamente, por que a visão histórica oficial deixou de lado. A ideia não era mostrar o contraponto, mostrar os dois lados da história, não, era mostrar a visão do Tarso, a visão dos amigos do Tarso sobre ele, sobre a geração e sobre o Brasil.

Reprodução Internet

O Pasquim foi um grande movimento cultural contra a censura. Qual é a importância dele para a cultura tão diversa e ampla que vivemos hoje?
Zeca Brito – Então, qual é o lugar do Tarso no Pasquim? O Tarso é cara que cria o Pasquim, é a raiz dele. Existia o jornal que era a carapuça, que era conduzido pelo Estanislau Ponte Preta, o precursor do jornalismo brasileiro, ai os donos da carapuça chamam o Tarso para dar continuidade. Ele aceita o desafio, mas compondo uma nova equipe e mudando o nome do jornal. Jaguar, Millôr e Ziraldo fazem parte agora.

O Pasquim mudar os valores sociais, hierárquicos, com os paradigmas patriarcais e tudo mais. E o jornal tem essa função na sociedade brasileira, uma função anárquica, carnavalizante, de trazer uma ideia tropicalista, de trazer a antropofagia, de se colocar no mesmo lugar de convívio. De ter humor em paralelo a erudição. Ele cria um espaço de convivência que não existia antes. O Tarso é um jornalista completo, que tinha passado por todas as etapas de aprendizado, de execução, de feitura de um jornal. Um grande empreendedor!

O Pasquim tá vivo! O pioneirismo visual foi estabelecido ali. Um jogo de possibilidades muito contemporâneo, inclusive, e causar um enfrentamento, revolucionando o jornalismo.

Tarso é um personagem muito importante dentro da história do jornalismo, é uma grande responsabilidade fazer um documentário sobre ele. Você acha que possível reafirmar a importância do jornalismo através do filme?
Zeca Brito – Eu acho que é justamente isso que a gente tenta, né. Uma primeira impressão é que eles estão criticando o jornalismo atual, mas na verdade o filme é um ode de amor ao jornalismo. A essência do jornalismo. E uma mensagem ao futuro, sim. O Tarso tinha esse tom profético, que o Glauber também tinha que essa geração tropicalista tinha de pensar o passado também, de entender o cosmos e lançar ideias para o futuro.

Independente do que se viva hoje, ou das estruturas patriarcais e patronais serei as mesmas, existe uma centelha que tá na raiz do ser brasileiro, e que passa pela construção da noticia e que o Tarso é um símbolo disso tudo, né. Então é sim uma declaração de amor ao jornalismo, a imprensa, a comunicação e como isso é importante para democracia, para que o pais caminhe bem, conceba um ideal. Eu acho que o Tarso tentava isso, as amizades que ele buscou, os entrevistados, todos eles tinham contribuição de pensar no Brasil.

Às vezes a gente confunde esse aspecto anárquico, ou sedutor, malandro, namorador, por que ele misturava muito a realidade com a profissão. Ele usava o jornal para seduzir as mulheres, para falar mal dos inimigos, mas ao mesmo tempo ele estava fazendo um recorte da realidade que estava vivendo. Ele tinha uma consciência histórica, ele sabia que aquilo era uma construção do tempo, que ele estava elaborando. Ele se preocupava com os caminhos da imprensa. Nesse sentido, o filme é uma ideia plural democrática que representa o jornalismo.

Tarso de Castro faz parte de uma geração de intelectuais que resistiram à ditadura militar e promoveram uma verdadeira revolução nos costumes e na cultura brasileira. Hoje em dia, a nossa cultura não é tão enaltecida, nem reivindicada. Você acredita que seria possível reivindicar pela necessidade do nosso nacionalismo cultural dentro de um novo movimento? Você acha que a gente conseguiria fazer novamente o que Tarso, Jaguar, entre tantos outros fizeram?
Zeca Brito – Eu acho que a tua pergunta me faz pensar em perguntas, não em respostas. Eu te devolvo, te perguntando: Será que o Brasil aceita o Brasil? Será que o Brasil ainda é antropófago? Será que a antropofagia ainda nos une? Eu acho que sim.

Eu acho que enquanto houver carnaval, enquanto houver calor e enquanto houver essa bendita miscigenação, esse encontro que o nosso país proporciona de culturas, de sabores, de ideias, existe esse Brasil. A questão, eu acho que é pensar que esse Brasil precisa ser cultivado, precisa ser rememorado. É um Brasil que nasce lá no Oswald, que passa por essa ideia de construção de um país, tendo sempre presente a noção do perigo que representa o nacionalismo. O nacionalismo é importante como raiz cultural que nos conecta, com as diferenças, com os outros, mas não como um limitador. Essa dimensão humana maior é a mensagem da antropofagia, é a mensagem do Tropicalismo, ela transcende o nacionalismo e acho que essa semente precisa ser cultivada. É uma centelha individual que tem ser provocada na sociedade.

Essa raiz que tem o uirapuru, Macunaíma, Tarso de Castro como personagem ela corre nas nossas veias. Por mais que tempos difíceis existam, onde maior a opressão, maior era a resposta, em termos de ironia, de criatividade e de dialética, que alias, não era nem compreendida pelo regime que os oprimia, eu acho que esses exemplos históricos que vem lá da mandioca, do milho, ela tá viva. Compreender isso foi à chave do Tarso, compreender o Brasil, viver o Brasil, ser o Brasil, uma provocação de si mesmo.

Alê Shcolnik
Alê Shcolnikhttps://www.rotacult.com.br
Editora de conteúdo e fundadora do site, jornalista, publicitária, fotografa e crítica de cinema (membro da ACCRJ - Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro). Amante das Artes, aprendiz na arte de expor a vida como ela é. Cultura e tattoos nunca são demais!

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