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Berenice Procura: suspense com trama improvável sob bandeira social

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Quando o corpo de Isabelle Delux (Valentina Sampaio) é encontrado recostado em um coqueiro em plena praia de Copacabana, por uma criança e jornalismo sensacionalista noticia o brutal assassinato da transexual, Berenice se vê determinada em encontrar o responsável pelo crime. Este seria o “logline aproximado” de Berenice Procura. Assim como o trailer do filme, de fato, muito atraente. Um suspense original para uma produção nacional.

Dissecando o plot principal, a protagonista Berenice (Cláudia Abreu), é uma mulher cuja vida parece não ter mais nenhum sentido. Vive entre as tarefas diárias de uma dona de casa e mãe negligente e o volante do táxi herdado do seu pai. Casada com Domingos (Eduardo Moscovis), um repórter sensacionalista de categoria duvidosa e mãe de Tiago (Caio Manhente), um adolescente problemático homossexual, ela vive seus dias como se fosse obrigada. Seu marido, um homem grotesco e machista com o qual já não considera ter uma relação de casal, vive fora a trabalho e quando chega em casa procura suprir suas necessidades fisiológicas, ou seja, comer, transar (nesse caso, à força), e dormir.
Com o filho já não tem diálogo, não conversa e acaba por conhece-lo pouco.

A maior relação aparente é com o cliente Jayme (Fábio Herford). Um senhor que pega diariamente seu tá xi com destino à Copacabana ou Botafogo. Quando o corpo de Isabelle é encontrado, Berenice parece ter encontrado novamente um pouco de emoção na sua vida. O fato de a vítima estar diretamente ligada a seu filho, a aproxima de Tiago e a faz ir em busca da verdade. Enquanto o Domingos, jornalista que cobriu o crime, se afasta cada vez mais da esposa, uma vez que não concorda com essa obsessão da mulher em encontrar o verdadeiro assassino.

A trama mergulha no universo LGBT, mais especificamente na vida dos transexuais que vivem no Rio de Janeiro. Allan Fiterman tenta, nitidamente, trazer originalidade na adaptação do roteiro à obra de Garcia Rosa sob o argumento de um suspense com várias possibilidades.

O que vemos de fato, é menos suspense e mais drama, exposto na falência da família “tradicional” brasileira formada por Domingos, um homem grotesco e egoísta, sua mulher sem grandes perspectivas e resignada, e um filho problemático e rebelde em vias de revelar sua sexualidade. Nenhum dos três conversam. Enquanto em paralelo, o universo difícil das transexuais que sofrem para terem reconhecidos seus direitos e vivem uma vida sombria regada à violência, exploração e humilhação.

O subplot no entanto, acaba suplantando o plot principal. Não deixando claro ao expectador o que de fato Berenice procura. O assassino de Isabelle ou a sua própria identidade?

Na coletiva de lançamento do longa, o diretor disse querer desvincular a obra do formato “televisão” e dar mais cara de “cinema”, tendo como base seu background construído em anos de estudos em Los Angeles, próximos das produções hollywoodianas. Um dos fatores que minam essa intenção do diretor, está na escolha do casting. Embora conte com nomes de peso, o elenco é extremamente “global” e remete muito aos melodramas da emissora.

Soma-se isso à algumas escolhas que julgo infelizes, como o cenário onde mais de um terço do filme se passa, o “Ponto G”, boate onde trabalham os transexuais. Se a ideia era mostrar um pouco do submundo onde vive esta classe específica, a representação da boate é um tiro n’água. A cenografia deu ares de Broadway aos shows realizados ali, fugindo completamente da realidade do segmento, de fato. Grandes telões, efeitos de luz, figurino e maquiagem que somente uma emissora como a Globo pode produzir. Fica em demasiado inverossímil. Em alguns momentos do filme, temos a sensação de fato de estarmos assistindo à uma novela das 21h.

A cereja no bolo “ao contrário” foi trazer Emilio Dantas, como Russo, ou Bandido Gato. Ele é simplesmente um protótipo do Rubinho de “A Força de um Querer”. O mesmo personagem. Um desperdício completo do talento do ator.

Na coletiva, no entanto, os responsáveis pelo casting disseram que as gravações de Berenice Procura se passaram antes da gravação da novela. Então julgo que Russo foi nada mais que um laboratório para Emílio arrebentar na novela, ganhando prêmios inclusive, como Rubinho. O problema foi que este sucesso “matou” o personagem do filme.

Allan traz cenas fortes como o estupro de Berenice pelo próprio marido Domingos, seguida de uma cena de masturbação feminina, assim como a exposição do corpo de Isabelle completamente nu, quando morto no IML.

Mas a sensação final é que o filme poderia ter ido muito mais longe. O final “aberto” é uma tendência atual do cinema internacional, e uma marca do roteirista José Carvalho é estar muito atento à estas tendências de Hollywood.

Quanto às atuações, Claudia sempre manda bem, embora sua personagem não ajudasse muito, sendo confusa e mudando de direção com muita facilidade. Eduardo Moscovis se encaixa bem no personagem, embora ache que ele já carregue em seu perfil um ar parecido com o de Domingos. Valentina Sampaio surpreende como Isabelle, e Fábio Herford acaba subestimado pela trama. Vera Holtz arrebenta como sempre. Já Emilio Dantas tem papel desperdiçado,  conforme citei acima. O jovem Caio Manhente pode vir a ser uma revelação do cinema nacional. Leonardo Brício faz uma breve ponta, e não convence como o delegado Jair. Descontextualizado, total. Guta Ruiz não compromete.
Berenice Procura  não é um filme ruim, mas poderia ser bem melhor.

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