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DIAMANTINO: UMA ALEGORIA TRAGICÔMICA DA ATUALIDADE

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Historicamente, o Festival de Cannes preza pela autoria, pelo novo, pelo criativo, e quando estes fatores se unem a algum tipo de crítica, o longa responsável por essa união se destaca no maior evento do cinema mundial. Este foi o caso de Diamantino, uma co-produção Portugal, Brasil e França que venceu a Semana da Crítica na edição 2018 do festival. Dirigido por Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt, o filme conta a história da personagem-título – interpretado por Carloto Cotta -, o melhor jogador de futebol do mundo, que após perder um gol na final da Copa do Mundo, vê sua carreira acabar em um grande fracasso apontado pela opinião pública, obrigando-o a buscar um novo sentido para sua vida.

Já de início, a produção deixa claro o seu estilo e a sua primeira crítica. Diamantino é obviamente uma sátira a Cristiano Ronaldo – mas também pode ser associado a qualquer outro ídolo do futebol como Neymar e companhia. O protagonista é dotado de uma inocência/alienação pueril, além de ser constantemente ainda mais infantilizado por sua família, a qual gerencia sua fortuna, explorando o jogador o máximo que pode – o que, devido a limitada inteligência do rapaz, resulta em escândalos financeiros e vexames em entrevistas televisionadas. E tudo isso é mostrado sob um ótica surrealista desde a primeira cena: o futebol é a única coisa que Diamantino conhece, então, quando está em campo, ele se vê correndo entre puppies gigantes envoltos em uma névoa rósea, como se aquilo fosse a sua visão do Paraíso.

Este tom paródico se estende pelo resto do longa, que, mais adiante, perpassa muitos outros assuntos, como o Brexit, o neo-fascismo, corrupção política, a crise de 2008, clonagem, paraísos fiscais, e a crise dos refugiados – esta última, questão desconhecida pelo protagonista, que vê nisso uma oportunidade de fazer algo útil e altruísta. Desta forma, Diamantino pode ser visto não apenas como uma personificação de Portugal – apesar de esta ser a mais evidente -, mas também de todo o mundo, que não desconhece ou não sabe agir diante dos problemas atuais, apesar de ainda ter um fio de esperança, fato salientado na ótima e ingênua narração da personagem principal – aliás o ponto mais alto do longa é a interpretação de Carloto Cotta, a qual mantém todas as peças do conjunto unidas; a ausência do ator à frente do projeto poderia fazer com que o espectador se perdesse neste universo histérico e excêntrico.

Além disso, tecnicamente, a produção demonstra ter muitas referências para montar a aura de estranheza que reveste sua trama e estas fontes vão desde o giallo aos filmes B de espionagem made-for-TV dos anos 60 e 70, passando até mesmo pelos planos usados nas coberturas de jogos de futebel. Porém, apesar de toda esta preparação, o filme não é perfeito. O principal ponto fraco é a excessiva repetição de alguns aspectos narrativos – como a metáfora dos cachorrinhos, a qual aparece uma meia dúzia de vezes -, o que faz com que o humor do longa perca um pouco a força e a originalidade; talvez, isso seja consequência de um certo “deslumbramento” dos diretores diante dos amplos recursos que tinham para contar sua história. Isso não chega a estragar a experiência do público, mas desacelera o investimento dele no enredo.

Assim, “Diamantino” é um filme com uma proposta muito interessante e pertinente – não à toa vem recebendo elogios por onde passa, já sendo chamado de um cult instantâneo; e estes elogios não são infundados, afinal, o longa tem muito mais qualidades do que falhas. A produção é uma crítica à Portugal – sua terra-natal -, à sociedade contemporânea e aos problemas com os quais não consegue lidar, tem um protagonista cativante interpretado de forma competentíssima, e tudo isso é amarrado por um humor sarcástico e auto paródico/depreciativo munido de uma vertente meio kitsch e uma estética histriônica. O longa pode ser acusado de não se aprofundar nas críticas que faz, mas, no caso, a proposta não era essa; “Diamantino” se propõe a ser uma alegoria cômica dos tempos atuais e, neste quesito, o filme marca gol.

 

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