Vidro e o Universo Shyamalan

Depois de quase duas décadas, Shyamalan encerra a trilogia de filmes que começou com Corpo Fechado com a estreia de  Vidro, em 17 de janeiro de 2019. O verdadeiro confronto final entre os caras maus e o justiceiro. Logicamente, sagas conversam entre si, e esta não fica de fora. Infelizmente, spoilers não podem ser evitados aqui, então quem para quem não viu o filme ainda, se liga que vem spoilers abaixo.

O Diretor
Todo o diretor de cinema vive cercado de controvérsias, altos e baixos permeiam a carreira de qualquer um. Em 1999, M. Night Shyamalan fincou seu nome com O Sexto Sentido, depois fez vários sucessos como A Vila ou Sinais – a medida que também fez muitas produções ruins, como O Último Mestre do Ar.

Quando Corpo Fechado apareceu nas telas de cinema, a crítica em geral ignorou o filme, apesar da incrível atuação de Bruce Willis e Samuel L. Jackson. A obra seria uma das primeiras homenagens as histórias em quadrinhos.

E após seus muitos fracassos, Shyamalan caiu no esquecimento. Até que em 2016, ele retornou com Fragmentado, com a mesma força que tinha suas outras produções icônicas, e com sua marca registrada, um plot twist de encerramento. O que parecia ser apenas um filme sobre múltiplas personalidades, tornou-se a origem de um vilão, e segundo filme de uma trilogia de super-heróis.

Rachaduras Conectadas
“Há sempre dois tipos de vilões: o soldado que luta com o herói com seus próprios punhos. E a verdadeira ameaça: o arqui-inimigo genial que luta com a mente.”

Essa poderia ser a pista mais clara da jornada que M. Night planejava. Fica claro que Elijah Price (Samuel L. Jackson), o Sr. Vidro é a mente brilhante, o arqui-inimigo de David Dunn (Bruce Willis). Quem imaginaria que 16 anos depois, ele revelaria o nascimento do soldado, o anjo vingador, a Besta (James McAvoy). Vendo mais afundo, várias semelhanças aparecem entres Corpo Fechado e Fragmentado. Seus pôsteres com a estética de vidro trincado. E até antagonismo de seus nomes, numa tradução literal do título em inglês de Corpo Fechado, seria Inquebrável. Enquanto o Sr. Vidro é o gênio indestrutível e imprevisível, a mente fragmentada de Kevin luta tentando lidar com tantas personalidades habitantes de um único corpo.

O Trem
Em determinado momento, Sr. Vidro nomeia a si mesmo como: Criador de super-heróis. Isto porquê o acidente que causou, no qual David tornou-se o único sobrevivente, matou o pai de Kevin. A morte do pai, o deixou a mercê de sua mãe mentalmente instável, que o fez sofrer abusos inomináveis, quebrando a mente de Kevin e assim criando todas as suas outras personalidades, incluindo, a Besta.

David Dunn percebe seu propósito de herói, usando sua capa de chuva, o manto que esconde sua identidade. Após seu surgimento para a luz, temos o vislumbre da Besta, com suas costas largas e corpo poderoso. Ambas as cenas são iguais, os dois personagens de costas contra luz. Enquadramentos que são idênticos ao de HQ’s, presentes em todos os três filmes. Mas estes dois invocam algo muito mais poderoso, ambos criados pela mesma tragédia, destinados a se enfrentarem, mesmo sem saber.

Opressão contra o Excepcional
É importante notar que todos os três longas são uma busca por um sentido de existência, um propósito. Seja como herói ou vilão. Contudo, Vidro é muito mais. Elijah tem como único objetivo mostrar ao mundo a existência do excepcional, assim como a Besta veio para proteger aqueles considerados perturbados, os que sofreram com abusos, como Kevin.

O diretor traz todos os personagens de seus filmes anteriores, e novos personagens como a Dra. Staple (Sarah Paulson) que tenta com todas as forças quebrar a crença de que os protagonistas são realmente especiais, mas na verdade, eles são apenas três doentes mentais, que tem habilidades no qual qualquer um com muito esforço poderia ter. Assim como a própria sociedade reprime aquelas que se destacam e não se adaptam as suas normas. Citando a personagem: “Não podem existir deuses entre nós.”