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Opinião: Um mito chamado Frida Kahlo

Publicado em:

Por Tatiane Alves

O mundo particular de Frida Kahlo.

Sessenta e seis anos se passaram desde o dia em que a pintora mexicana Magdalena Carmen Frida Kahlo y Calderón partiu deste plano deixando para trás uma série de obras que diziam muito sobre ela mesma, mas que ao mesmo tempo, não são capazes de dar conta de toda a curiosidade que existe em torno de sua existência. Ao lançar um olhar sobre sua trajetória, surgem mais perguntas que respostas. De onde vem o fascínio por Frida Kahlo? Ela ficou famosa por suas obras ou pela persona criada em torno do que ela realmente foi? A arte salvou a vida da Frida ou foi Frida quem utilizou da arte para se manter viva? Como se explica o fenômeno que a levou ser tragada pelo universo pop sendo exposta em escala global?

As últimas seis décadas deixam alguns pontos cruciais que podem esclarecer a revolução provocada pela artista. O primeiro é que quando o assunto é Frida causa e efeito se misturam, assim cada pedacinho de sua vida conta. Ao regressar ao México no período de seu nascimento e falecimento encontramos uma figura que desde pequena rompia com os padrões estéticos e sociais, entendia os mistérios da vida e que teve a oportunidade de desenvolver-se intelectualmente de forma privilegiada.

Quando criança, conviveu e guardou em segredo a epilepsia do pai. Aos 6 anos, teve poliomielite, que a deixou manca. O bullying era uma realidade que foi superada através da luta e do esporte, mas aos aos 18 anos, ela sofreu o acidente que mudou tudo em sua vida. O ônibus que colidiu com o bonde atropelou muitas pessoas, mas despedaçou Frida em muitas partes. Ela teve a coluna e a pélvis quebradas em três lugares, a perna direita em onze, teve a clavícula e três costelas fraturadas e seu pé direito foi esmagado.

Além disso, ainda que para contexto, havia sido uma das primeiras mulheres a frequentar a Escola Preparatória Nacional. Num momento político de redescoberta para os mexicanos. Uma experiência enriquecedora que a fez ser fluente em três línguas, debater política e gostar de arte. Trata-se de uma mulher com conhecimento intelectual acima da média.

Com a experiência quase morte que a deixou imóvel durante um bom tempo, segundo o relato que muitos historiadores descrevem, Frida precisou reinventar-se. E, “pintar as coisas que via com seus próprios olhos” começou fazer sentido. O espelho que havia no teto de sua cama pode ser uma contundente explicação para os, aproximadamente, 40 auto-retratos pintados por ela ao longo de sua vida. Ou seja, a percepção de si e da realidade projetada sem querer nas telas é um dos primeiros pontos a ser considerado, pois sua passagem por este mundo, como um abalo sísmico, enchem os olhos de quem se permite confundir entre biografia e arte, pois no caso da pintora mexicana, elas são indissociáveis.

Para muita gente, o fascínio começa neste ponto, pois sem nenhuma formação acadêmica, ela pintou o que viu. No entanto, vale ressaltar que, embora tivesse voltado a ter uma vida praticamente normal, houve uma mudança radical após o acidente. Ela precisou usar espartilhos de gesso e de couro, muletas e pernas postiças. Algo que não é a coisa mais bonita de se olhar. Algo que no dia a dia não é confortável. E, no entanto, a construção da imagem através da vestimenta, mostrou ser uma obra de arte à parte, algo que nenhum outro artista havia feito até então, partindo de uma necessidade interna de reafirmar sua feminilidade. Assim, afastando do imaginário de quem vê que seu corpo é um corpo enfermo, incapaz de gerar filhos.

Os conhecidos trajes tehuanos eram uma tradição familiar. Seu pai era alemão, e sua mãe mexicana com ancestrais indígenas. Tudo minimamente pensado para exteriorizar a vida, em vez do monocromático estado de dor em que ela, ao longo dos anos, teve que perpassar.

Um terceiro elemento pode ter sido definitivo por levar Frida Kahlo a se tornar uma ícone retratada no cinema por Salma Hayek, usar camisetas e bolsas ou ter uma Barbie inspirada nela e ser adorada como uma presença ainda viva.

Seu relacionamento com Diego Rivera e a bissexualidade declarada foi um casamento de independência mútua, onde ambos viviam em casas separadas e tinham muitos casos com homens e mulheres. Uma relação sentimental escancarada e turbulenta que a tornou o símbolo do Feminismo moderno. A franqueza com que Frida revelou os detalhes íntimos de sua relação com Diego em seus diários, apontam para uma aceitação da não-monogamia. Um ato corajoso para a época, mas que não são capazes de invalidar o sentimento de amor quase que incondicional da artista por Diego e vice-versa.

O fato mais contundente é a sensibilidade para retratar a dor. Suas obras são passagens de tempo de sua própria vida carregadas de características peculiares, crenças particulares, cor e solidão. E vão muito além de suas sobrancelhas, do excesso de amor por Diego Rivera ou do posicionamento político. Ainda que só reconhecida pelo meio artístico depois de morta.

No ano em que completaria 113 anos, ela permanece viva. Pouco importa se foi pelos dedos culturais da sociedade de massa que insiste em comercializá-la. A natureza morta, os elementos da cultura mexicana, a solidão dos auto-retratos, os elementos de conexão com o lado mais profundo e o desejo de viver. Pinceladas que, de alguma forma, ressignificam a dor e manifestam a liberdade que ela mesma não tinha e que fazem de Frida Kahlo uma artista ímpar. Ela é uma força feminina singular que se manifesta além de uma mera passagem num determinado espaço de tempo, mas que a perpassa de forma marcante e que, de fato, conquistou todo o mundo.

Frida Kahlo ousou ser ela mesma e ousou viver o máximo da vida em circunstâncias dolorosas. Das quase 150 obras que ela produziu em vida, ela conseguiu processar todas suas vivências e doá-las ao mundo com amor. Despediu-se com 47 anos de vida, dizendo: “Espero alegre a minha partida – e espero não retornar nunca mais”.

Rota Cult
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Redação do site E-mail: contato@rotacult.com.br

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