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“Aquilo De Que Não Se Pode Falar” coabita culturas que pouco dialogam

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Projeto bilíngue traz à cena reflexões sobre a cultura surda.

"Aquilo De Que Não Se Pode Falar"
Foto: Andrea Capela

Baseado no livro “Vaca de Nariz Sutil”, que, aliás, completou 60 anos em 2020, “Aquilo De Que Não Se Pode Falar” parte da premissa de fazer coexistir, em um mesmo processo de criação, duas línguas e culturas que pouco conversam entre si: LIBRAS e o Português. A dramaturgia textual e a cena irão, consequentemente, lidar com duas formas / forças de linguagem. Dessa forma, a encenação projeta uma comunhão peculiar entre tais línguas e acolhe também possíveis colisões entre elas.

“Aquilo de que não se pode falar” é uma obra que responde a um longo processo. O projeto que dá origem a ela se iniciou em 2016, quando me deparei com o livro “Vaca de nariz sutil”, de Campos de Carvalho e o imaginei se tornando espetáculo em um solo de teatro-dança, onde eu viveria o soldado esquizofrênico avassalado pela guerra. Foi aí que o Vinícius Arneiro, diretor do espetáculo, lançou a proposta de reavaliarmos o projeto e convidarmos um ator surdo para compartilhar a cena comigo dando corpo a Aristides, personagem que divide um quarto de pensão com o soldado”, conta Filipe Codeço, idealizador do projeto em parceria com Vinicius Arneiro.

“Aquilo De Que Não Se Pode Falar” é interpretado por um ator surdo, cuja língua materna é LIBRAS e um ator ouvinte, que tem o português como matriz. Ao gerar duas linhas narrativas que se desdobram mutuamente, a dramaturgia se desenvolve sem hierarquia linguística e abre diversas leituras. A peça-filme é um retrato contundente da devastação subjetiva operada pela guerra, além de um convite à reflexão sobre os perigos presentes no discurso e no militarismo em âmbito local e global.

“Trata-se de um projeto que se orienta pelo desejo de fazer confluir as experiências e os modos de vida através das suas diferenças, por intermédio delas. É um caminho sinuoso e de constante aprendizado, por isso revela muito sobre a urgência de buscarmos maneiras de fazer conviver aqueles que se diferem entre si”, afirma Vinicius Arneiro, diretor da peça.

A peça-filme narra o regresso de um soldado que, em campo de batalha, é diagnosticado com esquizofrenia e afastado de suas funções. Ele chega na cidade e aluga uma vaga num quarto de pensão próximo ao cemitério, ao entrar no recinto, depara-se com um desconhecido, um homem surdo com quem vai dividir o quarto. Foi criada uma dramaturgia surda em um processo de transcriação, compartilhado entre o dramaturgo Diogo Liberano, o ator Marcelo William e os intérpretes de LIBRAS Jhonatas Narciso e Lorraine Mayer. A partir daí absorveu-se, na tessitura dramatúrgica, todo um campo de uma percepção desse mundo, antes ignorado.

“Como autor, por desconhecer a língua brasileira de sinais, o que fiz foi simplesmente escrever esta narrativa tal como sempre escrevi: por meio da língua portuguesa escrita-falada. Digo “simplesmente escrevi” porque o exercício da encenação esteve o tempo inteiro atento às traduções: tradução das palavras da dramaturgia para a escrita em língua brasileira de sinais; tradução do texto para imagens, ações, movimentos e gestos; penso que este projeto, guiado pelo diretor Vinicius Arneiro, tornou-se um texto feito de muitos textos, um emaranhado de múltiplas línguas e que, nesse sentido, também a dramaturgia é um dos textos que compõem esse emaranhado” – Diogo Liberano, dramaturgo.

As línguas de sinais foram internacionalmente banidas dos ambientes educativos por mais de 100 anos a partir de resoluções de uma conferência de educadores de pessoas surdas (formada em sua maioria por ouvintes) realizada em Milão em 1880 e os ecos dessa resolução são sentidos até hoje, se manifestando em um quase desconhecimento das línguas de sinais por parte da população ouvinte.

“Aquilo De Que Não Se Pode Falar” tem temporada de 08 a 15 de dezembro, sempre às 19h, gratuitamente, com ingressos retirados através do Sympla.

Rota Cult
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Redação do site E-mail: contato@rotacult.com.br

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