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Wes Anderson constrói o Teatro dentro da película cinematográfica

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Asteroid City se passa nos anos 50 e se comunica com os conflitos bélicos de hoje.

Há quem diga que há mais de 20 anos, Wes Anderson realiza o mesmo filme. Desde o estouro de Os Excêntricos Tenenbaums, o cineasta não abre mão de um “certo” tom fabular em suas obras, que o formatam para uma das assinaturas mais marcantes da nossa contemporaneidade – e uma das mais caçoadas também. Seja pela linguagem verbal, pela marcação da direção de atores ou pelo visual rebuscado, seus filmes chamam atenção, o que acaba por motivar uma horda de fãs e detratores. A estreia de Asteroid City, no entanto, comprova o que já venho percebendo desde O Grande Hotel Budapeste. Wes Anderson segue disposto a manter suas características, e encontrou uma saída para que seus pontos de partida mantenham os pés fincados nesse registro anti-naturalista.

Seus filmes têm partido da ideia da contação de histórias, a prática milenar que se notabilizou através do cinema, mas que reuniu povos ao redor de uma fogueira desde Eras atrás. É assim mais uma vez em Asteroid City, que se constrói sob a liturgia da apresentação do nascimento de uma peça teatral, desde a sua concepção, a escolha de seu elenco, suas reuniões e motivações, até a sua montagem propriamente dita – que é o próprio filme, em si. Se ele já elevou a fábula per se em Grande Hotel…, se já celebrou a arte escrita em A Crônica Francesa e se suas animações são um culto a algo tão complexo quanto o processo animado, é a vez da arte dramática primeira alcançar a elegia com Wes Anderson.

É assim que ele reveste seu novo filme, e possibilita a ele, surpreendentemente, uma tal liberdade de ação que poucas vezes o cineasta tem experimentado. As imagens que ele e seu habitual colaborador Robert Yeoman concebem tornam-se Cinema a partir da sensível carpintaria acessada, sem deixar de ser essencialmente Teatro, e vice-versa. Ou ao menos entendendo que certos espaços podem capturar jogos de um, ou jogos do outro – e, de maneira muito inteligente, se apropriando de impossibilidades que um ou outro veículo apresentam para criar um terceiro jogo. É quando Jason Schwartzman e Tom Hanks estão há quilômetros separados um do outros, mas em uma conversa telefônica enfrentam pela primeira vez suas diferenças frente a frente – e deixo ao leitor a experiência, estética e emocional, de descobrir como o diretor resolve essa impossibilidade.

Se nem em seu longa anterior ficavam claras as tendências articuladas para contar aquela história, inclusive abrindo flanco para questionarmos até onde ainda chegaria a inspiração para sua autoralidade, em Asteroid City é renovada sua validade quanto a como suas motivações serão apresentadas. Já que dificilmente poderemos acusar Anderson de mau gosto, não é.

Em Asteroid City, o propósito de sua narrativa passa a estar em jogo, e ele resolve possíveis cansaços com a energia de quem começa no ofício. Intercalando a peça que estamos assistindo (e que é O Filme) com a criação e os bastidores da mesma peça (e que é O Filme dentro do Filme), o cineasta consegue nos fazer interessar por cada adorno do roteiro, porque tudo ali tem vida particular e independente, além disso, nos conecta com as sutilezas empregadas em todos os personagens, que compõem um quadro imenso sobre fanatismo de muitas ordens, uma história sobre laços que precisam ser desfeitos.

Independente da excelência da direção de arte, da fotografia e da mais uma vez excelente trilha de Alexander Desplat (pra mim, mais sutil do que o habitual – dentro, obviamente, do que é possível ser sutil em se tratando de Desplat), acho que especificamente essa obra tem muito mais sendo retorcida na sua matriz do que seus aspectos gráficos. Ou seja, é um Wes Anderson que se sofistica dentro de um quadro onde sua sofisticação prévia já começava a suscitar questões a respeito de sua criatividade. Um filme que se passa nos anos 50, mas que se comunica em absoluto com os conflitos bélicos de hoje, sem deixar de reverberar um comportamento de histeria que nasceu no período, motivado por testes que não estão apenas ao lado de Asteroid City, mas que também vemos em Oppenheimer.

É a farsa dentro da farsa que vai se desenrolando e apresentando sua trupe de tipos disfuncionais, mas absolutamente críveis com o período, repletos de personalidade ímpar. Quando Jeffrey Wright declara “se vocês queriam uma vida pacífica, escolheram a época errada para nascer”, nos pegamos pensando no óbvio: quando o mundo não esteve à beira de uma catástrofe? De qualquer parte a ameaça pode vir hoje, do seu vizinho ou de algo inimaginável, e essa é uma das chaves de leitura do filme – podemos estar a um passo ou a milhares, mas o medo chegou pra ficar; temos que aprender a lidar com ele, e nos libertar do que achamos que nos prende. Ou viver frustrado.

Scarlett Johansson in director Wes Anderson’s ASTEROID CITY, a Focus Features release. Credit: Courtesy of Pop. 87 Productions/Focus Features

Do alto do seu formidável elenco da vez, acho que vale comentar para o que parece ser um centro emocional em cena, Schwartzman e Scarlett Johansson. Ainda que não exista sombra de deslocamento ou atuação abaixo do especial, eles dois (e também Jake Ryan) têm uma entrega que é possível pelo que o roteiro os possibilita. O carinho que nasce dessa relação, e a veracidade vista em todas as outras, é o que mostra como o cineasta começa – talvez – a mostrar que seu Asteroid City é uma cortina de fumaça estética e alegórica. Por trás do que parece repetitivo e até cansativo, tem um profissional que enxergou aqui o sumo de sua narrativa, e costurou a ela uma direção que potencializa tudo o que tem a dizer. Vindo de Wes Anderson, não só não é pouco, como se mostra rejuvenescedor.

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