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A Casa dos Prazeres sororidade e a rivalidade entre mulheres no submundo da prostituição

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Assim como Emma, a protagonista de A Casa dos Prazeres, que em determinado momento é interpelada pela irmã quanto às suas atividades, e inquirida por um amigo de que “você é escritora, e não uma jornalista, que faz pesquisa de campo”, eu me peguei pensando na funcionalidade de sair experienciando as atividades que julgo, de cada filme. Enquanto profissional de análise fílmica, sinto que meu fazer crítico não poderia se aproximar do que a protagonista aqui realiza, embora seja aconselhável alguma bagagem técnica e teórica. Dito isso, e sem abrir qualquer ponte para um julgamento moral, temos um centro narrativo que parte de um acontecimento real – a escolha de uma escritora em pesquisar in loco a área de atuação de seu próximo romance, a prostituição. A discussão que se abre a partir da realização é mais rica que o escopo curto conseguido pela adaptação de seu escrito.

A Casa dos PrazeresAté que ponto, ao fazê-lo, Emma (e a diretora do filme gerado pelo livro publicado) está conferindo glamour e status a um campo atrelado à violência e à submissão forçada? Anissa Bonnefont, que assumiu a direção e o roteiro do projeto, tanto tem essa preocupação com o assunto, que ele se torna parte integrante da discussão que Emma vive no filme. A escritora em cena acaba por refletir os conflitos da realizadora atrás das câmeras, que tenta dar conta de um manancial polêmico de debate. Verdadeiramente, não é um trabalho de pouca sensibilidade que vemos em A Casa dos Prazeres, estamos diante de mulheres que têm direito a escolhas que englobem seu corpo e suas regras. Através dessa abordagem, o que vemos em tela nem sempre tem a sensibilidade narrativa que consegue em plástica.

Uma mulher atrás das câmeras em um elenco de protagonismo feminino, mas cuja presença masculina é essencial, cria uma aura visual não apenas mais requintada, como principalmente mais adequada. A Casa dos Prazeres não tem como esconder o que está sendo vendido – corpo e sexo, são objetos de desejo comercializados na narrativa. Alguma timidez estética seria como trazer uma cortina para o palco que se debate, e a saída da produção é não esconder os atos, mas tratá-los com acertada delicadeza, na composição das cenas e no foco do que o espectador precisa ver. Ao contrário do que se esperaria então, há um inesperado equilíbrio em cena: o sexo não é explícito, mas a exposição dos corpos sim! Ainda assim, Bonnefont consegue desatrelar o que mostra do que uma exploração ordinária de mulheres e homens em vulnerabilidade.

Essa profusão de nudez, da protagonista, seus parceiros de cena, suas colegas de campo, é encenada com uma luz que não tem pudores em deixar tudo continuamente belo. E a partir dessa percepção, entram em cena uma abordagem que talvez não seja a mais sábia para o projeto. Porque falta um contraponto a A Casa dos Prazeres, ao menos na medida correta do que promoveria um equilíbrio. Sim, Emma está correta ao decidir o que lhe causa prazer, e o quanto dessa sensação também não está ligada ao poder que essas mulheres obtém sobre o corpo masculino, e na própria manutenção do prazer no outro. Mas isso é uma fatia de um processo, que é mais discutido do que vivenciado na prática. A teoria dos dois lados da moeda está em cena, mas estamos diante de um produto cinematográfico onde nem o relato de violência está muito presente. Em termos diretos, o que Emma vive de degradante é a menor parte da produção.

E não, não era de meu desejo acompanhar a via crucis de uma mulher prostituída até chegar na sarjeta, mas sabemos que o mundo de A Casa dos Prazeres é a exceção. Não existem problemas no universo daquelas mulheres que seja explorado pelo roteiro, não existe a real necessidade que levou aquelas mulheres até ali, tudo está em um universo da suposição, insuficiente para promover a reflexão que seria desejada. A amizade e a sororidade estão no quadro, mas mesmo a rivalidade entre essas mulheres não é resolvida, dando a clara impressão de que estamos diante do resumo do livro, que provavelmente eleva o material que construiu a escrita de fato. Tudo que é problematizado não chega às vias de ser solucionado, mesmo em lugar aproximado. As coisas estão em cena para compor um painel que é deixado pela metade.

‘A Casa dos Prazeres’ é um filme mais bem intencionado do que necessariamente uma ideia levada até as consequências necessárias. A fala final da protagonista parece retirada de ‘Emoções’, do Roberto Carlos: “se chorei ou se sofri, o importante é que emoções eu vivi”. Se isso é poético na voz do Rei, na tela ao abordar um grupo de mulheres que se encontram em situação de prostituição, é pouco – e raso – de se contentar, enquanto conclusão de uma tese a qual o filme não compartilha com o público. São vivências que claramente estão suprimidas de peso e sustentação, na maior parte do que expõe. Mesmo com esse veredito (e talvez exatamente acrescido dele), é louvável a coragem de Emma em escrever essa história e Bonnefont em filmar, algo que é de uma complexidade que o filme não ousa dar conta.

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