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Ângela: Filme sobre Ângela Diniz apresenta resultado inacabado

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Inspirado na história real da socialite Ângela Diniz, longa-metragem é protagonizado por Isis Valverde, escrito por Duda de Almeida e dirigido por Hugo Prata.

No longa, existem duas cenas em Ângela que poderiam mover o filme para outras direções. Na verdade, mais do que cenas, tratam-se de momentos onde sua protagonista, a ‘socialite’ Ângela Diniz encontra dois vetores de alento dentro de sua história. São símbolos de seus encontros com Tóia, sua amiga, e Lili, a mulher que ela desprezou, a princípio, e depois veio a descobrir uma mão próxima. A amiga vem pedir a ela para encobrir uma traição, e Ângela retribui com um ‘te amo’ fugidio, assim Lili torna-se uma protetora, e em determinado momento pede à protagonista que fosse embora junto com ela. Porém, a relação com Tóia é muito mal delineada, enquanto com Lili os contornos são mais estreitos, ainda que o surgimento da personagem seja inexplicável. Assim como muita coisa o é em Ângela.

Hugo Prata é experiente em audiovisual, mas o filme é apenas seu segundo longa-metragem. Elis tinha os mesmos problemas de falta de personalidade da imensa maioria de biografias musicais, sejam elas brasileiras ou não, ainda assim eles tornavam o filme uma produção burocrática no qual temos acesso anualmente, e muitas vezes até multi premiados são – e esse foi o caso. Já em Ângela, os erros são bem mais graves, a começar por não conseguir compreender os motivos que levaram um projeto tão interessante, de fim tragicamente conhecido, ser capitaneado por um homem, quando a sensibilidade feminina era crucial para o projeto.

Uma das mais notórias vítimas de feminicídio no país, numa época onde a expressão nem existia, Ângela não tem luz em cena, e isso é, certamente, imperdoável! Não apenas porque estamos vendo Isis Valverde em cena, mas para pontuar a beleza estonteante de uma mulher que era reconhecida também por tais atributos. Por mais que possa se argumentar o quanto a personagem estava passando por um período avassalador, o que era correspondido por um processo claramente depressivo, é no mínimo deselegante que se mostre a personagem sempre dependente, diminuta, mesmo quando investe contra o machismo. Ao contrário do que se possa imaginar, existem sim cenas onde a protagonista ganha força cênica, mas tais arroubos nunca soam como o rugido de uma leoa ferida, quase resiliente em seu sofrimento.

Para além do que se vê nos aspectos morais dessa construção narrativa, o que se vê em Ângela aparenta ser, na mais delicada das declarações, um resultado inacabado. Se o espectador fosse informado, na porta do cinema, que seria privilegiado em conferir o corte inicial do filme, aliás, a tendência em acreditar na declaração seria certeira. Não falta brilho e fulgor apenas em Ângela, a mulher, mas principalmente no filme, que carece também de acabamento, ritmo, algo como um complemento estético e técnico. É difícil de acreditar que o filme tenha passado por um rigoroso processo de montagem, ou de algum refinamento que seja, pois só isso justifica o tanto de precariedade que a montagem imprime à narrativa.

Além disso, não se resume ao eterno problema de uma cinebiografia, aquele da impressão de estarmos assistindo a uma versão resumida de uma minissérie, mas a forma como as cenas se concatenam, uma após a outra. Ou como deveriam se concatenar, já que nada faz muito sentido em questões temporais, lógicas ou sensoriais. Os planos de ligação entre cenas, uma miríade de planos da praia que banha os protagonistas, criam também uma ilusão de que estaríamos diante de um filme mais vigoroso do que é. Temos quase que exclusivamente uma predileção pelo close, pelo plano e contraplano, tudo concebido de uma maneira cartesiana que impede qualquer maior intenção do filme.

Se tem uma ponta de mérito em Ângela é na forma quase absoluta do roteiro em centrar todos os motes em torno das personagens femininas. Não que sejam mulheres que se entendam a manutenção de seu poder, mas nos anos 70 realmente essa era uma discussão não tão ampla quanto hoje. Mesmo que a mãe da protagonista declame passagens machistas praticamente em todas as suas inserções, o filme acerta no teor dos diálogos entre as personagens, criando mais uma ilusão: a de que temos um filme maior do que verdadeiramente temos, mas que não passa de cortina de fumaça para tentar desviar o olhar dos espaços de erro que o filme promove.

O mais difícil, no entanto, é analisar o trabalho de um elenco que não é bem dirigido e parece mais solto do que o de costume. Se Gabriel Braga Nunes investe em sua habitual canastrice para compor um tipo odioso, Bianca Bin, uma atriz de inúmeros predicados, está apagada em cena, não conseguindo compreender sua presença. Emílio Orciollo Netto e Chris Couto não têm o que fazer de mais prolongado em cena, e sobram então dois trabalhos mais complexos.

Já Isis Valverde, outra atriz que já provou seu talento em tantas áreas quanto possível, não tem culpa de ser jogada também em uma direção exagerada, que ela tenta domar a todo custo, mas nem sempre consegue. Mas o momento é mesmo de Alice Carvalho, a estrela de “Cangaço Novo”. Totalmente ilesa, a atriz sai de Ângela como o único elemento de toda a produção a sobreviver sem qualquer arranhão, e ainda demonstrando uma capacidade de tom que nenhum dos experientes alcançou.

Talvez se fosse um monólogo de Carvalho sobre o que teria acontecido na manhã daquele dia entre Ângela Diniz e Doca Street, Ângela conseguisse escapar do lugar que dedicou para si. Ao fim e ao cabo dessa jornada impressionante, a culpa deve ser dividida entre tantos que viram a onda do tsunami se formando e nem tiveram coragem de fugir ou de alertar os outros. É como uma tragédia que poderia ser evitada, mas que ninguém fez muita questão de apontar o que errou. Talvez porque o mais fácil seria esclarecer o que saiu acertado, já que essa é a menor parte.

 

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