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Lobo e Cão promove a oxigenação e a poesia acessível ao olhar

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Com exata uma hora de duração, a cena emblemática de Lobo e Cão acontece quando um grupo de amigos jovens vão fazer uma trilha em uma floresta, e de longe vemos o seu caminho, que vai terminar em uma caverna cuja entrada tem claro formato de uma vulva. É como se retornar ao ventre materno fosse uma solução aos seus problemas.

Lobo e CãoEsses adolescentes que, cada qual ao seu modo, sofre uma série de revezes sociais, emocionais e comportamentais são expostos nesse momento a uma solução metafórica: seria o reencontro com o conforto da mãe uma espécie de resposta que não se imagina redentora? Ou seria na sensibilidade do feminino que esse acerto de contas pessoal deveria ocorrer?

Lobo e Cão é o primeiro longa de Cláudia Varejão a estrear nos nossos cinemas, o que só demonstra a constante manutenção do descaso do nosso circuito cinematográfico com o cinema português. Ainda que tenham estreado quatro filmes há pouco mais de um mês em sequência, infelizmente isso é uma exceção, que esperamos ser mudada. A julgar pela linguagem de Lobo e Cão, pela forma como seus lugares se desenvolvem e revelam outros olhares sobre temas já vistos, o cinema lusitano está em fase de constante evolução. São múltiplos exemplares de autoralidade na filmografia, mas que desembocam em um mesmo viés de investigação sensorial do contemporâneo, que precisa ser paralelizado com as tradições locais.

Um dos lançamentos recentes de Portugal por aqui foi Alma Viva, que compartilha com Lobo e Cão sua comunicação com aspectos da religião que cerceiem um pensamento progressista – ou qualquer um que não esteja alinhado diretamente ao conservadorismo. Diante de um grupo de jovens que são o exemplo vivo da renovação de costumes, tudo que está ainda representando o arcaico é levado até as últimas consequências. A base dessa mistura é a religião, que mais uma vez funciona como delimitador da felicidade alheia, mantendo uma zona de melancolia ininterrupta entre todos os personagens; sofre quem ataca e quem é atacado também.

Aliás, todos os retratos mostrados em Lobo e Cão reiteram o que se espera dessa narrativa: o Velho é o atraso, é o retrocesso de pensamento, é o passado com sede de permanecer no cenário; o Novo é o futuro, é o avanço das discussões, é olhar para diante estabelecendo novidades de todas as ordens. Varejão se prepara então para subverter as expectativas e os planos, como quando coloca um coro cantando ‘Ave Maria’ enquanto meninos se maquiam para sair, assim alimentando um conflito entre esses dois lados, onde as ameaças rasas se preparam para explodir, enquanto o jovem busca sua ampla liberdade. Que culmina em uma cena forte ocorrida em uma espécie de procissão, de violência bastante simbólica.

Menos bem humorado do que costuma ser o novo cinema português, Varejão não se enquadra nesse grupo de cineastas que resolvem a narrativa através da ironia ou da piada aberta, e também não está do lado de uma produção de entretenimento vazio, ainda que no melodrama. Estamos diante de um projeto que não tenta dialogar com o público dizendo que ele está diante do original, não. A busca pela comunicação pessoal em Lobo e Cão não abre mão da poesia imagética, como já comenta a sequência que abre o meu texto. Isso, certamente, não está presente apenas nesse momento, mas perpassa toda sua duração e promove a oxigenação de um projeto que é todo amplificado por uma poesia acessível ao olhar. É bonito, e também simples, e isso não despotencializa o todo – são ideias com um raro fio de ligação entre seus lados de reverberação.

Com uma atmosfera que mais contempla o sonho e a propagação da fábula mediante de  corpos diversos, em suas inúmeras passagens que contemplam o universo LGBTQIAPN+, Lobo e Cão acaba por se transformar em uma experiência também quase alucinógena. São intenções distintas que correm em paralelo e que refletem um olhar na direção da intenção, de querer ampliar seu debate e sua ternura por pessoas historicamente menos contempladas por essa mesma ternura, no aspecto macro mas também no micro. É um olhar que sempre é ressignificado por Varejão, mostrando o que é factual mas o que é seu desejo, e o de todos em cena. Ir além, ir profundo e ir sempre em frente, na direção do que se sonha, mas principalmente na direção de quem se é.

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