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“Noel Rosa – Coisa Nossa” traz desenho à moda Hanna Barbera aos palcos

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Nas páginas do livro “Este Mundo É Um Paneiro” (1989), obrigatório estudo sobre o êxito das comédias carnavalescas em nossas telas, o crítico de cinema Sérgio Augusto usa um conceito bem elástico para definir Zé Trindade (1915-1990) que pode, confortavelmente, ser encaixado na deliciosa peça teatral “Noel Rosa – Coisa Nossa”.

“O demônio encarnado na malícia nacional” talvez não seja o modo mais comum a se referir ao Poeta da Vila. Porém, aliás, cabe como luva a uma investigação cênica (de cunho biográfico) sobre as memórias desta cidade. Uma investigação calcada na ginga, sob a direção espartana de Cacá Mourthé.

"Noel Rosa: Coisa Nossa"
Foto: PRISCILLA PRADE

A concepção plástica da cenografia e dos figurinos, cujo esmero é na batata, traz a grife de Ronald Teixeira, parceiro de Domingos de Oliveira (1935-2019) em filmes de matriz cênica, como “Juventude” e “Separações”, ou seja: o que não falta ao espetáculo é pedigree, pois há gigantes da criação por todo o seu corpo criativo.

Elogio à carioquice, a maneira como a dramaturgia de Geraldo Carneiro sintetiza os feitos do compositor da Vila Isabel ao longo de um trançado (da mais possante inventividade) de relatos cômicos e músicas estabelece um diálogo imediato com as chanchadas da Atlântida. Ok, o Teatro de Revista vem antes delas, são parte da gênese desse filão audiovisual de tanto sucesso em nosso circuito exibidor. Fato é, é História e como disse Glauber Rocha (1939-1981), “Deus perdoa; a História, não”.

Mas – porém, contudo e todavia – Geraldo parece dar em seus Noéis um timbre de Oscarito, uma picardia picaresca que se aproxima mais do cinema chanchadístico dos anos 40 e 50 do que de sua matriz teatral. É uma parentela Pop que vira um banho de descarrego, breve, refrescante, capaz de desopilar qualquer obstrução. “Noel Rosa – Coisa Nossa” é da família do também musical “Sassaricando”, o fenômeno sobre as marchinhas de outrora, que foi e voltou, foi e voltou, foi e ficou… na memória.

Pleno de si, nas Letras, com os livros “Subúrbios da Galáxia” e “Folias de Aprendiz”, Carneiro dá um lirismo jocoso a uma narrativa biográfica que faz da palavra o fio da memória. Tradutor do bardo Shakespeare e autor de pepitas teatrais como “Lola Moreno”, de 1982 (esculpida com Bráulio Pedroso e John Neschling), ele faz de “Noel Rosa – Coisa Nossa” um fala-a-dor, que cartografa seu próprio mundo e dimensiona o Rio que o produziu.

Seu texto zarpa do difícil parto do músico, nascido em 11 de dezembro de 1910, com direito a um afundamento de seu maxilar, segue até seu duelo de sangue com a tuberculose, finalizado com sua morte, em 4 de maio de 1937. Mas, nesse falar, a tristeza não é senhora. Só riso e charme dão o batuque desse “Carnaval no Fogo” – marco da chanchada, dirigido por Watson Macedo (1918-1981) em 1949. Aliás, cada episódio por trás da escrita de hinos do samba como “Com Que Roupa?” e “Fita Amarela” é descortinado no palco, em busca de sua gênese territorial.

Idealizado por Eduardo Barata e Marcelo Serrado, “Noel Rosa – Coisa Nossa” parece aula de geografia de cursinho: todos os pontos cardeais do Rio de Janeiro do início do século passado, em suas três primeiras décadas, são assimilados pela plateia numa didática de canto. O maior acerto do espetáculo – fora o gingado na direção de Mourthé – é o estudo que Carneiro realiza, a partir da persona de Noel, sobre o ethos do povo carioca, a formação de nosso caráter, o aterramento de nossa maliciosa forma de amar.

O amor, objeto pontiagudo, é moleque dengoso em “Noel Rosa – Coisa Nossa”, que ganha as formas empoderadas do feminino com o viço e a inteligência da atuação de Dani Câmara e Julie Wein. Elas se dividem entre a mãe de Noel (Dona Marta) e seus amores (Ceci e Lindaura). Antonio Nássara, amigo do músico, é (bem) vivido na peça por Matheus Pessanha, que delineia o personagem como um dinâmico (por vezes anjo, da guarda e da tentação) de seu camarada. Enquanto Fábio Enriquez e Alfredo Del-Penho, trazem um estado de graça ao espetáculo.

Fintando o realismo, o espetáculo ganha ares de cartum no modo como Del-Penho e Enriquez, egressos da trupe A Barca dos Corações Partidos, desafia limites anatômicos de suas máscaras faciais e de seu gestual num caratê afetivo. É um dos muitos acertos da direção de movimento e da coreografia assinadas por Renato Vieira, que faz dessa alegre biopic de Noel um desenho animado da Hanna Barbera ao vivo.

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