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Assassinos da Lua das Flores: Povo Osage emerge com protagonismo e voz ativa

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A Lua das Flores é um nome indígena que indica uma espécie de paisagem muito comum em campos do interior, quando os mesmos se tornam floridos a perder de vista. A paisagem abriga o título de um dos melhores diretores da História do Cinema que, às vésperas de completar 80 anos, continua surpreendente, e não apenas na escolha dos projetos.

Assassinos da Lua das FloresAdaptação de um livro de David Grann, Assassinos da Lua das Flores coloca mais uma vez Martin Scorsese no centro das atenções, merecidamente. Provando sua competência não apenas como realizador, mas exatamente como produtor, na leitura de uma obra e do que ela pode agregar na discussão cinematográfico social. Digo isso porque o livro foi assumidamente reorganizado para que atendesse a uma demanda que Scorsese julgou necessária, e que conversaria, enfim, com a narrativa que o diretor queria agregar em sua obra.

O protagonismo de Assassinos da Lua das Flores mudou, sai o investigador dos crimes misteriosos ocorridos em solo indígena nos anos 30, e entra um casal formado por um jovem branco ferido na Primeira Guerra Mundial e uma nativa. Essa mudança coloca em perspectiva exatamente o olhar indígena sobre um massacre moderno ocorrido dentro de seu habitat, onde mais uma vez a ganância e o enriquecimento ilícito estão no centro da narrativa. No entanto, dessa vez o foco é para uma questão tão pouco ouvida no campo audiovisual: a importância dos povos originários na contação de histórias.

A abertura já traduz isso, com uma cerimônia de despedida entre seus componentes ministrada na língua-mãe. Os diálogos do filme inclusive são parte em Sioux, o idioma que a tribo Osage domina, com a qual se comunicam. Os outros personagens, estadunidenses que invadiram seu local de nascimento, tentam se integrar aos seus hábitos e costumes, mas a verdade não demora a ser revelada.

 Assassinos da Lua das Flores é um tratado não apenas sobre a permanência indígena, ou melhor, o filme não é sobre isso, quase nada, o lugar de fala de Scorsese compete seu entendimento a respeito de invasão e dominação. Aos poucos, o tom fabular que pode ser percebido em algum momento vai dando lugar a uma narrativa de extermínio, que se desenrola para longe do que é esperado em comum.

O Ernest Burkhart, de Leonardo DiCaprio, serve como apresentador geográfico, condutor dos códigos apresentados e futuro deflagrador de ideais contrários. Parte de seu personagem introduzir o espectador àquela sociedade que já estava em curso antes de sua chegada, para posteriormente subverter o modus operandi que o próprio compreendeu. Essa é, certamente, uma leitura inteligente apresentada pelo roteiro de Scorsese e Eric Roth, que apresenta toda uma gama de situações através de um único tipo e evita, com isso, transformá-lo em veículo de exposição de trama. Ao invés de uma introdução porca de captura de entendimento, Assassinos da Lua das Flores o traveste de agente do caos.

Uma personagem, no entanto, é inexplorável: Mollie, futura esposa de Ernest. De aparência híbrida, com um misto de fragilidade e imponência, Mollie é a principal figura de uma família formada por mulheres sobreviventes. O amor que nasce entre Ernest e Mollie é verdadeiro, mas também são verdadeiras as influências negativas que assolam os dois. Tão forte quanto a paixão que os une, também será a doença que os apartará. Scorsese costura essa história de amor à formação da sociedade americana de maneira mais eficaz do que tinha feito em Gangues de Nova York, aqui sim criando um painel sobre a destruição sistêmica que o povo americano lega às gerações futuras, através dessa base doentia.

Aliás, essa é a segunda vez que Scorsese se debruça sobre a formação sanguinária da América do Norte, mas pela primeira vez seus interesses estão olhando para o lado certo. Ainda que esse olhar não esteja necessariamente do lado do oprimido na maior parte das vezes, o povo Osage emerge de Assassinos da Lua das Flores com protagonismo e voz ativa. O que impossibilita o quadro de algo ainda mais complexo é quando o cineasta centra a narração em torno do homem branco, seria ainda mais assertivo e enraizado na cultura dos povos originários que ele escapa para engrandecer.

O que vemos (e não é pouco) é um dos maiores cineastas americanos de todos os tempos exercendo seu ofício, surpreendentemente, da melhor forma possível! Isso inclui reconectar seus laços com DiCaprio – em uma interpretação investigativa dos métodos de seu personagem – e Robert DeNiro, esse em performance incontestável e redentora, daquelas onde o tempo trará a compreensão ainda mais ampla de suas camadas, que já se mostram infindáveis. Acima de ambos, Lily Gladstone é um totem que carrega alma, coração e grandeza a Assassinos da Lua das Flores, formando uma tríade central capaz de certificar a grandiloquência humana do que é vivido ali.

O que demonstra a reiterante juventude estética de Scorsese é a sua escolha por uma pegada menos épica do que seria o esperado para um filme que também que tem o intuito de fazer uma nova releitura do gênero Faroeste. No lugar de uma pose qualificada, o que está apresentado é uma versão mais ágil do trabalho de Thelma Schoonmaker, que retira da produção uma proposta de epopeia.

Além disso, o ritmo apresentado em Assassinos da Lua das Flores é o de um policial contemporâneo do diretor, desconstruindo o que o filme apresenta em sua aparência. Se a saída poderia aproximá-lo de coisas como Silêncio, a chegada se assemelha mais a Os Infiltrados, esse é um atestado de como Martin Scorsese não apenas continua rejuvenescendo, como já não podemos mais tratar seus trabalhos como algo estabelecido. O gênio reinventa nossas expectativas.

 

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