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Os Filhos dos Outros guia o espectador ao mais ordinário da condição humana

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No ano passado, duas produções francesas dirigidas e protagonizadas por mulheres tiveram a delicadeza máxima de apresentar duas formas genuínas de contar histórias de ‘pessoinhas’. Essa é uma forma carinhosa que, junto a um grande amigo, fui nomeando títulos que tinham sua concentração em temas tão contemporâneos quanto prosaicos, e que cuidassem da maneira menos expositiva possíveis dilemas morais mundanos. O primeiro deles foi Uma Bela Manhã, filme dirigido por Mia Hansen-Løve e estrelado por Léa Seydoux, o segundo é essa estreia Os Filhos dos Outros, de Rebecca Zlotowski, protagonizado por Virginie Efira. Em comum, acima de tudo temos duas mulheres que são ouvidas pelas suas narrativas, com suas proposições e suas encruzilhadas diárias, que não são vistas como tal.

Os Filhos dos OutrosApesar de tais informações, Os Filhos dos Outros é marcante para o espectador de qualquer sexo. Às mulheres em particular, os dilemas de uma protagonista com mais de 40 anos que acaba de descobrir desejos maternais, independente do gênero, e se concentram as descobertas de um estado arrebatador, daqueles que nos modificam para sempre. É a partir dessa textura, e do quanto o filme é motivado pelo maior sentimento de todos, que o público se deixa levar por tais transformações de sua personagem central. Na tela, Rachel é envolvida por uma força só descoberta quando estamos em plenitude, do corpo de Virginie Efira, uma das maiores atrizes da atualidade, exala somente essa sensação.

O currículo de Zlotowski não é dos melhores, sempre trafegando entre a pretensão e um auto controle, como em seu equivocado longa anterior, A Prima Sofia. A chegada de Os Filhos dos Outros nos apresenta uma nova autora, capaz de reconfigurar suas próprias características anteriores ao apresentar esse singelo conto sobre uma maternidade inesperada. Enfim, é apresentado um trabalho de rigor técnico irrepreensível, que é sugestionado por uma simplicidade aparente que não esconde sua elaboração. É justamente esse lugar de jogo cênico ambíguo que somos apresentados aqui, onde cada convenção do roteiro e das imagens nos encaminham para um lugar, diferente do que imaginamos.

Isso é conseguido através de uma leitura inteligente das estruturas de roteiro tradicionais, que nos condicionam a lugares óbvios de representação. Os Filhos dos Outros compreende esse lugar e o renega, guiando o espectador sempre ao lugar mais ordinário da condição humana, da forma como é apresentada, o que é tão banal soa como uma descoberta. Uma ou várias, tendo em vista que somos constantemente assolado por surpresas do lugar comum, permitindo a quem assiste ser tomado por verdadeiro espanto diante da pequeneza. É isso também que leva o filme a crescer enquanto material estético-narrativo, ao encontrar esse grau de sofisticação em sua concepção geral.

Nada seria tão afetuoso e cálido assim se não estivesse em cena alguém como Virginie Efira. Um ano depois do lançamento de Benedetta, Esperando Bojangles e O Segredo de Madeleine Collins, Efira prova mais uma vez como seu talento não conhece limites. Como Rachel, ela nos faz experimentar cada nova sensação que sua personagem desenvolve ao longo de Os Filhos dos Outros. Uma atriz menos vibrante faria com que o filme soasse desinteressante e até mesmo apagado; graças ao que ela faz de melhor, que é a entrega absoluta a uma espiral de emoções a cada nova cena, somos levados a reconhecer em tudo que ela sente e apoia camadas nossas.

O excesso de sinceridade nos eventos talvez provoque um ou outro espectador a se distanciar dessa espécie de provocação do cotidiano. É exatamente por isso que Os Filhos dos Outros soa sempre tão fascinante, por enxergarmos em cena pedaços de conflitos que já vivemos. É a eterna por nos reconhecer em alguém, ao olhar nos olhos do outro e ver uma extensão nossa, e Zlotowski nos concede o tapa na cara final ao mostrar que nem era do reconhecimento romântico que ela falava. O melhor a ser feito, no entanto, é observar quem somos e quem podemos ser, na vida de alguém; quantos de nós pode dizer que se é inesquecível? Não há preço que pague a sensação de eternidade, quando somos elevados a essa categoria. Não é para todos, não é todo dia.

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