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A Bela América uma sátira política de implicações locais e globais

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Em determinado momento de A Bela América, sua protagonista é indagada se seria de direita ou de esquerda. A resposta: “nem de direita e nem de esquerda, muito pelo contrário”. Soltei uma sonora gargalhada, porque a conexão com as últimas eleições brasileiras soaram por demais encontradas, além da melancolia de saber que, além de ter muitos outros países passando pelos mesmos horrores que nós, a nossa situação especificamente soa como tão terrível quanto comum. Por ser uma coprodução nossa, imaginamos que embora primordialmente portuguesa, essas inspirações podem ter vindo de ambos os lugares. Todos estamos chafurdando graças à extrema direita e aqueles que não são de um lado ou de outro, mas obviamente escolheram um, vemos com estupefação que tudo se comunique tanto.

Além dos aspectos internos de países em condições precárias de governabilidade que o filme tenta denunciar, uma produção onde a protagonista seja uma mulher chamada América que tenta a presidência de Portugal, não pode falar de maneira mais sarcástica sobre como os Estados Unidos seguem sua sanha de domínio mundial. Com uma postura que aparenta concórdia, tal moça se diz próxima a quem necessita de sua ajuda e que fará muito por quem vem de classes menos favorecidas. Esse breve resumo, sozinho, já nos mostra do que se qualifica o roteiro de António Ferreira e César Santos Silva – uma sátira política de implicações locais e globais, mas que sustenta sua crítica com sutileza e até alguma doçura, dentro do possível.

A Bela AméricaO real protagonista de A Bela América, na verdade, é Lucas, um representante da tal classe que a candidata parece querer alcançar, que é despejado e vai morar num casebre à beira de um rio. Aos poucos, a produção se sente à vontade para não fixar ideia apenas dentro do aspecto político, e o filme acaba ganhando tons de comédia romântica gastronômica, daquelas onde alguém acaba conquistado pelo estômago. A leveza que, certamente, já era pretendida ainda se torna mais ampla, dado que o filme não se fixa em um ponto de discussão da ironia. Além disso, também há espaço para uma tentativa de desatrelar aos seus interesses um olhar mais humano para os personagens, ainda que estejamos falando de arquétipos.

Na aproximação desses dois mundos, um que pretende ascender e o outro que não luta para não cair ainda mais, é que percebemos a identificação de lugares. Nem Lucas sentia que poderia alcançar lugares tão altos graças ao seu trabalho, ou América consegue se afastar da atração/identificação que sente por um lugar diminuto da pirâmide. Como dito acima, tanto um quanto o outro representam espaços com ou sem poder, e se vestem narrativamente como tal. São um homem e uma mulher em lugares distintos da régua social, e que estão posicionados como tais elementos de compreensão de questões macro políticas, mas entendendo que existe um público maior que pode acessar tais códigos se o romance for uma válvula de escape.

São paralelos com a realidade de maneira muito bem definida, e com momentos absolutamente reconhecíveis (uma facada na barriga durante a queda nas pesquisas, alguém lembra?), e com um ritmo de comédia com algum thriller que funciona, no geral. O trabalho de Ferreira na direção, embora não apresente nenhum grande diferencial, marca por colocar uma trama política no paladar popular com propriedade. De maneira sóbria, o filme sai de um olhar menos engessado e sisudo geralmente que são apoiados os thrillers do gênero, para satirizar um olhar que parece perdido. Entre a paixão pelo colonizador e um desejo de liberdade sincero, vemos uma classe cada vez mais entorpecida com o futuro, e por isso mesmo presa da forma como é interessante a quem manda.

A Bela América ainda conta com duas interpretações formidáveis, de Estêvão Antunes e Custódia Gallego, que interpretam Lucas e sua mãe. Com química abundante e um frescor da apresentação de seus dramas que equivalem a um belo dueto em cena, os atores compõem esse quadro mais adoecido pelo que ideais políticos excludentes podem fazer mal a quem precisa deles. Sem ousar esteticamente, mas buscando uma identificação delicada com quem viveu os últimos seis anos no Brasil, o filme entretém e mostra que mesmo a História recente precisa ser documentada, porque o esquecimento vem mais rápido do que imaginamos – e precisamos aprender a evitar o Mal, mesmo que ele tente nos seduzir.

 

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