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Rustin faz recorte da histórica marcha pelos direitos civis em Washington

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A temporada do Oscar tem sido aberta cada vez mais cedo. Esse ano, no mesmo dia de julho, Barbie e Oppenheimer, os prováveis campeões de indicações do ano, já faziam rios de dinheiro e mostravam porque o ano pertenceu a eles. Isso faz com que obras mais modestas, em escopo e realização, como Rustin, estreia de hoje da Netflix, pareça acanhada quando suas credenciais não deixam nada a dever a muitos competidores.

RustinEm um ano repleto de biografias, que é o gênero primordial para premiações, a história de Bayard Rustin pode ser prejudicada justamente por não tentar algum gigantismo, e até fugir dele. O resultado final, no entanto, o coloca em pé de igualdade com outras produções que já chegaram lá.

Para quem não o conhece, Bayard Rustin era um dos melhores e mais próximos amigos de Martin Luther King e, como ele, defensor veemente dos direitos civis negados aos negros na maior parte dos Estados Unidos durante do século passado. Foi através de personagens como ele que muitas conquistas foram alcançadas, e também duras leis foram abolidas. Sua voz ecoou com igual fervor que seu companheiro de luta, mas talvez seu nome tenha sido diminuído porque Rustin não era apenas negro, mas também abertamente homossexual, com vida sexual ativa e diversificada, com parceiros se alternando constantemente. O que hoje é visto como comum, em seu tempo não apenas não era, como contribuiu para que suas reivindicações muitas vezes fossem manchadas, como mostra Rustin.

O filme é dirigido pelo mesmo George C. Wolfe de A Voz Suprema do Blues, que rendeu merecidas indicações para Viola Davis e a póstuma de Chadwick Boseman. No papel título, Colman Domingo, que estava nesse filme como coadjuvante, deve repetir o feito de seus parceiros de cena, sua presença é formidável, e seu corpo todo está a serviço da atuação. Não apenas uma modulação de voz foi preparada, como um trabalho de exposição de fisicalidade e uma entrega emocional tocante.

Aliás, Domingo está no grande momento de sua carreira, também estará na versão musical de A Cor Púrpura que estreia em janeiro, e tenta indicação por ambos. Ao seu lado, eu diria que a presença mais forte de Rustin é a de um de seus rivais na temporada, Jeffrey Wright. O ator vem aí em American Fiction, e aqui faz um rival político do protagonista com poucas cenas, mas olhar dilacerante.

A maior qualidade de Rustin é a mais óbvia quando o assunto é cinebiografia: o recorte. O roteiro de Julian Breece e Dustin Lance Black (Oscar por Milk, outra biografia sobre uma histórica liderança política LGBTQIAPN+) centra sua ação em 1963, depois de um breve prólogo em 1960 e duas cenas de flashback. Aqui, Wolfe mostra a obstinação de Rustin em tirar do papel a histórica marcha pelos direitos civis em Washington, um plano que ele alimentou por anos. Durante esse breve ano, vemos suas alianças, seus desafetos, seus amores e a construção, através desses tópicos, de um ser humano ímpar, à frente do seu tempo e que precisou vencer um turbilhão de preconceitos, e traumas de muitas ordens, a começar dentro da própria casa.

Mas existem problemas também, e o mais evidente diz respeito justamente ao foco narrativo. Pois bem, Rustin é relativamente curto (apenas 100 minutos), e durante 90% do tempo o protagonista está tentando levantar a marcha e transformá-la em realidade. Não é apenas um sonho imaturo de um homem cheio de vontade, a marcha realmente foi crucial para a quebra de muitos paradigmas dentro da causa negra estadunidense, incluindo a marcha pelo direito ao voto que King organizou dois anos depois na cidade de Selma. Em Selma, a marcha ocupa um terço final inteiro, boa parte da narrativa e do desenvolvimento cênico e estético do filme passa por esse momento; em Rustin, a marcha de Washington, se ocupa 5 minutos do filme, é muito. A sensação é de frustração, de ter comprado um produto com distinção errada da vendida.

O que fica de Rustin é o talento incontestável de seu elenco, sua temática que infelizmente ainda se faz premente em um mundo onde a maior parte da população carcerária é preta, e isso é uma forma de propagar o racismo estrutural. O tom dado à sexualidade de Rustin também é o mais adequado, elegante porém sem medo. E a canção composta e interpretada por Lenny Kravitz, ‘Road to Freedom’, é igualmente muito bonita e inspiradora. Quando percebemos que o vão existiriam mais possibilidades para explorar pelo filme, que seu tratamento estético é tímido, e que o escopo narrativo é um problema, o filme então deixa claro porque precisa da simpatia de todos pelo seu personagem principal. Ainda bem que isso nem é difícil.

 

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