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Nanni Moretti traz um campo de metalinguagem sofisticado em O Melhor está por Vir

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Já é uma tradição do circuito cinematográfico brasileiro trazer uma das grandes estreias da temporada no primeiro fim de semana do ano. Se há um ano atrás tínhamos Decisão de Partir, de Chan Wook-Park chegando por aqui, em 2024 a lista de filmes é aberta com Nanni Moretti em um dos seus melhores filmes de sua carreira. O Melhor está por Vir competiu no último festival de Cannes, e de lá saiu com o mesmo tanto de empolgação e reservas. Como se um grande diretor como Moretti não pudesse mais se comunicar com o mundo atual, com o cinema contemporâneo, por tratar de seus temas recorrentes. Pois foi esse o começo do que seus detratores ocasionais não alcançaram aqui: a metralhadora aqui passa longe de perseguir o passado.

Nanni Moretti
Frames “Il Sol Dell’Avvenire” Nanni Mretti Director Michele D’Attanasio Cinematographer

Porque o saudosismo diante do qual o diretor de O Quarto do Filho estaria se propondo tem a ver com a universalidade da paixão pelo cinema, e não por um aspecto específico do cinema, ou uma obra que não existe mais acesso. Essa paixão é tratada da maneira mais pura, limpa de intenções possível, encarada e exercida com o máximo de entrega. Se nesse caminho algum tropeço houver na forma com que se produz alguns tipos de Cinema hoje, esse enviesamento é muito mais crítico a todos os envolvidos do que exatamente um apontamento direto. Aliás, o próprio Nanni Moretti (e sua visão dita purista) não se furta em colocar-se como radical, uma visão demasiadamente inocente sobre uma arte que nasceu para evoluir, cujo elemento evolutivo é dos mais que mais a definem.

Moretti vive um cineasta deslocado no filme, que vê o Novo passar por si e não consegue capturar suas nuances. A partir desse lugar, O Melhor está por Vir mostra um campo de metalinguagem muito sofisticado. Do tanto que conhecemos o diretor e suas declarações e entrevistas, podemos dizer que ele não está muito longe de seu personagem, nas colocações e na forma trágica como observa as mudanças ao seu redor. O que não impede de criar em seu filme exatamente uma elegia ao que critica: estamos diante de um filme extravagante, feérico, das obras mais luxuriantes de Moretti. Sai de cena seu tradicional apreço pelo naturalismo, e entra de cabeça uma homenagem a tudo que poderia ter de mais artificial (e fascinante) no Cinema.

O Melhor está por Vir é, a um só tempo, uma comédia muito divertida, um arroubo de momentos musicais cheios de exuberância que abraça o constrangimento sem dó, uma peça iconoclasta que transita entre gêneros, um título que critica suas próprias características. É, certamente, por todos esses elementos, um filme moderno e cheio de firulas, que nos remete a muitos momentos de Alain Resnais, mas que nunca deixa de se importar com os personagens centrais, e de demonstrar amor genuíno pelo que eles têm, são e que eventualmente estão perdendo. Não é um filme fácil de se esbarrar por aí, muito menos simples de cooptar, aqui Nanni Moretti não parece muito interessado em abraçar o espectador menos propenso à paixão. É como se ele pedisse ao espectador, quase ininterruptamente, para se deixar levar pelo tanto de sensações que o cinema nos provoca.

É invejável ver que, igualmente a Steven Spielberg, Martin Scorsese, Marco Bellocchio e outros adentrados nos 70 anos (que ele acabou de completar), seu arsenal tenha se renovado e provado uma juventude que não estávamos a par. Os movimentos ousados aqui em todas as searas que se propõe – que vão da mulher que não consegue se divorciar para não estragar os próximos projetos do marido, até os verdadeiros surtos alucinógenos provocados pela música – são típicos de experimentação juvenil. Algo que não encontrávamos com frequência em sua obra recente, mas que, surpreendentemente, resgata o cineasta dos anos 90, aquele de Caro Diário e Aprile, e mostra que ele não estava morto. É refrescante reencontrá-lo.

Além do admirável trabalho de direção, O Melhor está por Vir serve uma profusão de cenas que nascem icônicas, mas que duas delas dificilmente sairão da memória rapidamente. A mais comentada é a da negociação com a Netflix, que nos situa de maneira jocosa no que se transformou o cinema sob demanda, do qual Moretti quer fugir alucinadamente, criador e criatura. Ainda mais fascinante é a longuíssima sequência no set de um filme de ação violento, visitado pelo protagonista. É nesse momento onde todos, eu disse TODOS, os envolvidos na análise cinematográfica de hoje se veem em cena, como vítimas e algozes, mas onde sobra culpa para onde se olha.

Saber rir de si é uma dádiva, saber criar uma autocrítica é ainda mais valioso, mas conseguir mostrar que todos estão errados nesse lugar de empáfia que a discussão fílmica se tornou, é algo absolutamente genial. Bravo, Moretti!

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