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Até o Cair da Noite revisita o gênero Noir à moda antiga

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O mundo está mudando, e essas mudanças estão cada vez mais velozes, a ponto de não termos a quantidade de tempo necessário para assimilar todos os novos lugares apresentados. Ainda bem! Novas camadas de importância e vozes vem se sobrepor às já existentes, e assim promover novas discussões em torno de temas já debatidos ao longo dos tempos. O cinema noir, por exemplo, é um caso que mesmo tendo sido cunhado há quase cem anos dentro da expressão cinematográfica, e tendo atingido seu auge nas décadas de 40 e 50, não deixa de ser produzido até hoje, com variações para deturpá-lo, revisiona-lo ou perpetuá-lo. Até o Cair da Noite nos motiva a tornar a reencontrar suas formas, condizentes ao ano de 2024.

O revisionismo em gêneros clássicos não começou recentemente. Temos o Faroeste sendo retrabalhado há pelo menos quatro décadas (Os Imperdoáveis), o musical que vez por outra é reorganizado (Dançando no Escuro) e o Noir também não é uma novidade, vide o remake de Scarface, que já colocava latinos em lugar de destaque. O diretor alemão Christoph Hochhäusler adentra esse universo essencialmente estadunidense , com a ousadia necessária de contextualizar esse recorte para o hoje. Nas entrelinhas, estamos vendo uma reimaginação do que foi imortalizado há 70 anos, o que salta na nossa direção é a maneira contemporânea com que a discussão interpessoal ganha vida no roteiro de Florian Plumeyer.

Os elementos tradicionais são facilmente reconhecíveis. Um detetive particular atormentado pelo passado. Uma femme fatale que leva o protagonista, a um só tempo, ao céu e ao inferno de seus sentimentos. Uma relação ambígua entre eles que irá configurar o novelo investigativo da narrativa, e onde ambos serão implicados diretamente. Até o Cair da Noite é um filme indicado a todos os amantes e fãs de um gênero que não encontra tantas releituras assim no circuito, porém, olhando mais de perto, vemos o que provocaria o tremor dos tradicionalistas. Robert é um investigador viciado em drogas prestes a sucumbir, Leni é o ex-namorado dele preso em seu lugar, e que hoje precisa servir como informante dele; só que Leni fez a transição sexual que desejava durante os anos presa. Parte daí o conflito emocional da produção.

Logo, estamos diante de uma investigação policial em curso, com os devidos perigos que um disfarce em um cartel de tráfico exige, e que ainda precisa abarcar os sentimentos embaralhados que seus dois protagonistas nutrem um pelo outro. É esse um dos muitos sentidos com o qual Até o Cair da Noite conversa com os nossos dias e faz de nossa experiência ao assisti-lo algo ainda mais complexo do que faria em situações menos flagrantes. O roteiro de Blumeyer mergulha fundo na forma como esse novo desenho de relação precisa ser compreendido por quem os vive, e não poupa o espectador dos preconceitos de Robert, muito menos das dúvidas de Leni, tudo isso enquanto os leva a momentos onde tais questões precisam ficar de lado pela sobrevivência – e não é isso que nós, LGBTQIAPN+, temos de lidar todos os dias?

Mas não é apenas das qualidades do roteiro que se desenvolvem as bases de Até o Cair da Noite porque a direção de Hochhäusler é igualmente sofisticada no que tange os espelhamentos entre o que deseja seus personagens e o que eles efetivamente alcançam na sua jornada. Como da primeira vez que cedem à paixão, quando vemos a câmera passear entre uma explosão emocional de desejo, e alcançar uma posterior indignação. Além disso, é também um filme que propõe uma inversão de expectativas, porque seu protagonista, ao adentrar o perigoso terreno da transfobia, na verdade está relutando em apagar sua vida homossexual, que é bem melhor resolvida do que seria uma bissexualidade. Não é algo simples em ser descrito e muito menos em ser mostrado, o que só atesta a coragem do filme em mais uma vez renegar a tradição, ou o esperado.

Essa investigação que o diretor faz, acerca de um desejo que precisa ser saciado mas que não deixa de ter suas fobias, é transmitido pelas imagens e que são a essência do próprio Noir. Até o Cair da Noite, como a gênese do gênero pede, é uma produção que invoca a escuridão como sua fonte de inspiração visual, isso não é somente um código da expressão, mas um recurso do lugar onde Robert permite que floresça sua verdade por Leni.

Igualmente ajudado por atuações adultas e muito intensas de Timocin Ziegler e Thea Ehre (vencedora do prêmio em Berlim 2023 por sua performance), o filme é um retrato cru e muito atual sobre o estado emocional de seres desconectados com suas verdades, que encontram alento na escuridão do desejo não concedido.

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