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“Alguma Coisa Podre” – Um tiquinho de desarmonia não desarranja uma comédia musical sobre o lado B de Shakespeare

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São várias as hipóteses de que William Shakespeare não era o dono da própria pena e, sim, fruto de ghost writers, fossem mulheres ou homens, pensando sonetos e peças capazes de esboçar o quanto a vida é cheia de som e de fúria. No cinema, filmes como “Anônimo” (2011), de Roland Emmerich, e “A Pura Verdade”, de Kenneth Branagh, passaram por esse “E se…”, no debate acerca do processo de criação da maior grife teatral da História, “Alguma Coisa Podre!” é parte dessa discussão.

Alguma Coisa Podre
Foto: Caio Gallucci

“Alguma Coisa Podre” é um espetáculo musical frenético (um pouquinho demais da conta) e verte para os palcos brasileiros a narrativa da Broadway “Something Rotten!”, de Karey Kirkpatrick e John O’Farrell. Aliás, Claudio Botelho assina a versão brasileira. O original, ambientado na Renascença Inglesa (séculos XV e XVI), estreou em 2015, no palco do St. James Theatre, tendo Brian d’Arcy James no papel principal, o dramaturgo e encenador Nick Bottom, hoje confiado a um inspirado Marcos Veras, aliás, o ator é uma força da natureza imparável em cena.

Desde “O Filho Eterno” (2016), Veras vem se alçando voos cada vez mais ousados em sua trajetória artística, como comprova o monólogo “Vocês Foram Maravilhosos”, estrelado por ele em 2023. Agora, ele volta aos palcos, com a maturidade de quem passou por um “bloco do eu sozinho” e, com ela, esculpe uma série de camadas sensíveis na figura de Nick. Dá o texto e se aprofunda no que é dito e no que é sentido por um homem achatado pela competição com Shakespeare, que vivia a toda à época. O autor de “Macbeth” é confiado a um George Sauma flamboyant, sempre na medida certa da gargalhada.

Figurinos suntuosos de Fábio Namatame, somados a um trabalho de caracterização de perucas e maquiagem feito por Feliciano San Roman, asseguram o espírito grandiloquente que o texto de “Alguma Coisa Podre” almeja, tateando as franjas da comédia bufa numa busca pelos excessos de um tempo no qual o teatro era o carnaval do povo. Religiosos com conduta de Minions (numa rascante alusão ao que se passou no Brasil na Era Bolsonaro) odeiam o que se passa na ribalta e caçam as bruxas de Sófocles, Eurípides e Cia. Por outro lado, Nick e seu irmão, Nigel (Papel de Leo Bahia), fazem o que pode para manter a indústria teatral viva. O problema… deles… é o fato de essa usina de entretenimento estar nas mãos de Shakespeare.

Sob a direção de Gustavo Barchilon, a narrativa de Kirkpatrick e O’Farrell flana pela Inglaterra do anteontem cartografando modos de vida diferentes e conflitantes, expondo contradições históricas daquela pátria – e de outras. O desenho de luz de Maneco Quinderé assegura elegância a esse mapeamento que chega a um movimento de quiproquó contínuo ao se debruçar sobre a luta de Nick para desbancar Shakespeare e expor suas fraquezas. Entre elas está a tese de que ele “surrupiaria” ideias de colegas.

O que muda a sorte de Nick é o encontro com o vidente Nostradamus, pensador do amanhã que Wendell Bendelack compõe com uma saborosa inteligência. Ele se candidata a todos os prêmios de atuação coadjuvante com sua performática ritualização de um clarividente que enxerga um futuro para o teatro renascentista: fazer um experimento chamado “musical”. O tal experimento consiste em deixar a trupe cantar o que deveria ser recitado. A partir daí, o empenho de Nick passa a ser a feitura de uma peça musicada chamada “Omeleto”. Por sorte, sua mulher, Bea (uma vicehante Laila Garin), vai resguardá-lo nessa operação, dando provas de um amor que concorre sempre com devaneios e ambições.

É pena que nem todos os números musicais entrem com harmonia entre os atos, mas o carisma de Veras, a sabedoria de Bendelack e a potência vocal de Laila ajustam a sinestesia que a plateia tem com “Alguma Coisa Podre!”.

Saiba mais sobre a peça!

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