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Uma Família Feliz: José Eduardo Belmonte motiva discussões que já estão na ordem do dia

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José Eduardo Belmonte é um dos cineastas mais corajosos em atividade no Brasil hoje. Há anos atrás, premiado e tratado como um dos maiores pela crítica, Belmonte teve a audácia de trocar o que seria estabelecido para ele e se jogar na aventura de… realizar com excelência o que executavam com burocracia; andar na contramão do que havia alcançado até ali, e descobrir uma nova persona cinematográfica. Bem, essa era a intenção: desbravar os lugares que o desafiavam, mostrar possível que o cinema industrial não estivesse fadado ao comodismo. Como ele mesmo diz, nem todas as empreitadas deram certo. Tudo bem. A inquietação que ele continua a demonstrar, e que o motiva a rodar algo como Uma Família Feliz, é o modelo ideal para que seu cinema não perca o entusiasmo.

José Eduardo Belmonte

Há alguns anos atrás, o cinema brasileiro fantástico teve um boom. Não apenas grandes filmes foram lançados (como As Boas Maneiras, Mate-me Por Favor e A Misteriosa Morte de Pérola), como existia uma comoção em torno desses filmes, que ganharam prêmios e vinham juntos de uma horda de títulos acompanhando-os. Se esse momento não cessou, ao menos está em grau muito mais abrandado do que antes. Nesse sentido, Uma Família Feliz rasga o circuito de maneira radical, não apenas mostrando uma vontade de realização, como um esteta como Belmonte no comando de imagens que flagram o gênero. Ao lado de Raphael Montes, que fez o mesmo pela literatura de gênero no país, parecia uma história fadada a acertos em cascata.

Além disso tudo, Uma Família Feliz é um título que, tendo a visibilidade certa, pode vir a motivar discussões que já estão na ordem do dia, como a maternidade compulsória, o rearranjo possível em cima da imagem que vendemos padronizada, o lugar da mulher dentro da estrutura familiar de hoje, o patriarcado enquanto instituição cuja falência já foi decretada. Aliás, nenhum desses temas está implícito no roteiro de Montes, são inúmeras as formas de observar sua obra, e o olhar seguro de seu diretor em torno de um molde de produção que permite brincadeiras visuais e aspectos dramáticos traduzidos em luz e espaço cênico, transformam a sessão em um momento raro.

Infelizmente, o que se apresenta não é um quadro ininterrupto de qualidades, e sim uma obra cujas reflexões pertinentes deveriam estar na evidência que estão dando aos problemas do resultado. Particularmente, acho injusto que Uma Família Feliz seja reduzido ao que não se concretizou. Mas, tal qual uma produção cujos riscos Belmonte se acostumou a tomar, os problemas existem proporcionais às mesmas ameaças do qual o filme tinha conhecimento. Por exemplo, nem sempre o tom é o mais indicado para cada declamação de frase, ou de cada acerto imagético; muitas vezes, o que no papel parecia sagaz, no quadro soa de maneira negativamente ingênua.

Além disso, o trabalho fotográfico de Leslie Montero é outro aspecto que não funciona sempre. Não há gradação atmosférica para o que foi apresentado, logo não há contraste. O que então funciona nos momentos mais agudos de tensão, não tem o mesmo resultado quando o filme deveria ser mais pacífico, ainda que só aparentemente. Para o que vemos, Uma Família Feliz não vai de um ponto a outro, pois desde o início todo o tratamento de cor busca o mesmo resultado; se há coerência, falta sutileza em muitos momentos. E esse é um comentário que não pode se restringir ao trabalho estético, mas encontro eco do elenco ao acabamento dramático. Como se fosse um filme que está no aguardo do acerto chegar, e ele chega aqui e ali, mas cujo ponto de partida e chegada já está estabelecido de maneira horizontal.

Ninguém pode tirar de Uma Família Feliz e José Eduardo Belmonte seus méritos, e repito, acho injusto quem não observe um esforço hercúleo de estar em ambiente inseguro ao cinema brasileiro. Apesar dos pontos levantados que não podem ser ignorados, tenho pra mim que a experiência coletiva é muito válida, sobra personalidade em todos os pontos (e isso sabendo como é complexo encontrá-la no cinema comercial) e sigo um profundo admirador pelo que é tentado aqui. Tematicamente, salta aos olhos o que está se tentando dizer, e cujo olhar sempre procure o acerto. São delicadezas como as empregadas aqui que nos fazem crescer como indústria, e ter um profissional como José Eduardo Belmonte na linha de frente de um processo industrial, é o melhor para uma linha que invista em seriedade.

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