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A Metade de Nós reacende debates sobre saúde mental e suicídio 

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Lá pelas tantas, um homem fala para o outro: “Qual é o nome que se dá para esta dor? Eu não sou órfão, eu não sou viúvo, eu sou o que?”. Vividamente interpretado pelo veterano Cacá Amaral, o personagem em questão é Carlos, um pai que acabou de perder seu filho. A cena, em si, compartilhada com o jovem Kelner Macêdo, que dá vida a Hugo, acontece quase uma hora após o início da projeção de A Metade de Nós, primeiro longa-metragem de ficção do diretor Flávio Botelho, mas é a que aparece em todos os trailers e teasers de divulgação e a que de longe mais me impactou ao término da sessão. Angustiante, dolorosa e pontuada por um mar de lágrimas que escorre copiosamente pelo rosto do protagonista, ela dita todo o tom de uma obra que não poderia ter um tema mais delicado: suicídio.

Carlos não é o único a vivenciar, diariamente, esta dor dilacerante em A Metade de Nós. Ao seu lado se encontra Francisca, ou Fran, papel da atriz Denise Weinberg, mulher, esposa e mãe, tão protagonista deste drama quanto ele. Na cena de abertura, de frente para uma mesa, os dois se apresentam a um homem de meia idade como os pais de Felipe. Eles estão em uma pequena sala, um ambiente clean, arejado, certamente um consultório médico. Do outro lado da mesa, sentado, o sujeito convida ela a sentar. Carlos também já se encontra sentado. Francisca recusa. Afirma que prefere ficar em pé. Esta primeira tomada entrega, logo de cara, uma diferença gritante de posturas. A perda que ambos sofreram é a mesma, todavia, cada um reage à sua própria maneira. O luto não é igual para todos e a partir deste momento eles vão trilhar caminhos diferentes.

Em um verdadeiro tour de force, Cacá Amaral e Denise Weinberg entregam suas melhores performances desde, respectivamente, os filmes Pela Janela (2017) e Greta (2019). Tentando preencher o vazio que o consome, ele sente necessidade de falar sobre a morte do filho, de se mudar para a casa deste e de viver novas e inusitadas experiências. Inclusive uma de ordem sexual. Ela, por sua vez, impulsionada pela raiva, inicialmente, se fecha em copas e, excetuando os alunos na universidade onde leciona, foge do contato com as pessoas. Seu refúgio é a cadela Gaia, animal de estimação que pertenceu a Felipe. Posteriormente, canaliza o sentimento que a impulsiona para uma direção bastante perigosa, dando, assim, em algumas cenas, ares de thriller a este drama.   

Não é exagero ou injusto dizer que o longa-metragem seria outro, completamente distinto, se o casting não fosse encabeçado pela dupla escolhida de protagonistas. Intérpretes diferentes, ali, naqueles papéis, talvez não entregassem atuações com este nível de realismo. No entanto, é impossível desconsiderar a intervenção do cineasta Flávio Botelho. A história é livremente inspirada em um drama pessoal, o suicídio de sua irmã, em 2007. Entretanto, para além desta passagem particular, o diretor realizou uma profunda pesquisa sobre casos de jovens que atentaram contra a própria vida e o resultado final acabou sendo um texto extremamente sensível na hora de abordar, como escrevi antes, tema tão delicado. E, para ficar ainda melhor, essa sensibilidade foi traduzida em imagens.

Nas cenas em ambientes fechados, as lentes de Botelho e do fotógrafo Leo Resende Ferreira esquadrinham os personagens de modo a desnudar suas emoções. Em uma tomada, dentro de um chuveiro, o choro de Carlos é encapsulado de forma reverente. Já em outra, uma câmera estática, no centro da sala, à la Chantal Akerman, capta o ar pesado e rarefeito. Contudo, é na cena derradeira, ao ar livre, que só poderia ter sido feita assim, capturando toda a amplitude de uma cachoeira e da mata à sua volta, que a sensibilidade da direção aflora totalmente. A história que começa com o casal se afastando, cada um trilhando o seu caminho, se encerra com eles, literalmente, fazendo uma trilha e chegando àquele local paradisíaco. Às vezes, é preciso sofrer, ir ao inferno e voltar, antes de vislumbrar o paraíso.

Desliguem os celulares e excelente diversão.

Bruno Giacobbo
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

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