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Crônicas do Irã: Ali Asgari e Alireza Khatami prestam colaboração à resistência

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Se existe uma coisa que os governantes do mundo todo já deveriam saber é que, quanto maior a censura e a repressão, maior será a resistência dos perseguidos. Esta certeza vale para todo o panorama artístico e no cinema não poderia ser diferente, vide o exemplo do Irã. Vários são os casos de realizadores que foram encarcerados ou tiveram que deixar o país. Não é à toa que o boom da produção cinematográfica iraniana coincidiu com a ascensão do regime teocrático. Ganhador do Urso de Ouro, no Festival de Berlim 2015, por Táxi Teerã, e do prêmio de melhor roteiro, no Festival de Cannes 2018, por Três Faces, Jafar Panahi estava preso, até recentemente, acusado de propagandear contra o sistema. Muito menos conhecida no cenário internacional, a dupla Ali Asgari e Alireza Khatami resolveu prestar a sua colaboração para esta resistência com o belo, mas irregular, Crônicas do Irã.

Exibido pela primeira vez na mostra Un Certain Regard, em Cannes 2023, Crônicas do Irã foi bem recebido pelos críticos que cobriam o festival, porém, saiu sem nenhum prêmio. O enredo traz nove histórias, todas transcorridas na capital Teerã. E o mais interessante é que elas abordam aspectos diferentes do dia a dia do povo iraniano. Na primeira, um jovem pai tenta registrar o filho recém-nascido em um cartório. O nome escolhido é Davi. E aí começa a luta do progenitor contra a burocracia local – o espectador brasileiro corre o sério risco de se identificar com este causo. O funcionário que o atende informa que não pode fazer o registro, pois Davi não está no index de nomes permitidos pelo regime. A burocracia é o tema também da trama Sadaf, uma motorista de aplicativo que tem seu carro rebocado e se vê impedida de trabalhar.

Entre outras temáticas abordadas estão questões importantes como costumes e assédio. No segundo episódio, Selena é uma menina de uns dez anos de idade. A câmera a flagra dançando de frente para um espelho trajando calça jeans e um moletom do Mickey Mouse. Sua alegria acaba quando é forçada a provar o uniforme da escola, algo bem menos ocidental e muito mais conservador. Já no terceiro, Aram é uma adolescente que é questionada, provavelmente por uma professora, por ter chegado ao colégio na garupa de uma moto pilotada por um jovem. As tramas sobre assédio, por sua vez, envolvem tanto mulheres quanto homens. Faezeh, 30 anos, é afrontosamente cantada, durante uma entrevista de emprego, em um endereço chique da cidade. Já Farbod é obrigado a se despir e a mostrar as suas tatuagens, supostas provas de uma anormalidade, enquanto tenta tirar sua habilitação.

Vendo Crônicas do Irã não consegui deixar de pensar em Relatos Selvagens, longa-metragem argentino indicado ao Oscar em 2015. A estrutura das duas películas é a mesma. Pequenas histórias, curtas-metragens com começo, meio e fim. O problema deste tipo de filme é o risco de termos um certo desequilíbrio entre os episódios. E quanto maior for este desequilíbrio, mais problemático pode ser o resultado final. A obra portenha versa sobre vingança, o que resulta numa certa uniformidade entre as tramas e num dinamismo crescente da ação. A opção por temas diversos na obra iraniana não confere essa uniformidade a mesma e acaba por contribuir para a irregularidade no cômputo geral. Uma particularidade positiva é o fato de os diretores nunca mostrarem o rosto dos interlocutores, opção que, no meu entender, está coadunada com a decisão de dar total ênfase à indignação dos protagonistas.

Como escrevi logo no começo deste texto crítico, Crônicas do Irã é um filme belo, mas, infelizmente, irregular. Irregular devido às razões elencadas ao longo destes parágrafos e belo por colaborar com a resistência em um país que sofre com o problema da censura às artes, mas também, e principalmente, por trazer tramas comoventes. Há ainda algumas escolhas cinematográficas bem interessantes por parte da direção. O primeiro frame, particularmente, é de uma beleza singela. Já o último é bastante significativo em relação ao desfecho da obra. Dentro deste contexto, é pertinente que a melhor de todas as nove histórias seja justamente a que retrata as dificuldades enfrentadas por um cineasta ao realizar o seu filme. Irônico, não?

Desliguem os celulares e boa diversão.

Bruno Giacobbo
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

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