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Jardim dos Desejos faz parte de um trilogia informal de Paul Schrader

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Quando apareceu nos anos 70, Paul Schrader chamava a atenção pelo seu ofício como roteirista. São de sua autoria os icônicos textos de Taxi Driver (1976) e Touro Indomável (1980). Todavia, com o passar dos anos, o autor de palavras começou a fazer a transição para se tornar também um autor de imagens. E, na realidade, este movimento se deu cedo, já que Vivendo na Corda Bamba, seu primeiro trabalho de direção, foi lançado em 1978. Posteriormente, ao longo das décadas, ele alternou os dois ofícios e o sucesso nunca o abandonou, mas, para quem o acompanha há tanto tempo, havia a sensação de que faltava alguma coisa. Quem sabe uma antologia (ou uma trilogia) que juntasse as suas duas vertentes autorais? Sim, para mim, era isso e esse vazio foi, enfim, preenchido com seu novo filme, Jardim dos Desejos.

Parte de um trilogia informal que abrange No Coração da Escuridão, de 2017, e O Contador de Cartas, de 2021, Jardim dos Desejos traz a história de Narvel Roth, vivido por Joel Edgerton, um jardineiro que trabalha em Gracewood Gardens, uma enorme propriedade, na Louisiana, sul dos Estados Unidos. Ele comanda uma pequena e competente equipe de funcionários e responde, diretamente, a aristocrática proprietária Norma Haverhill, papel de Sigourney Weaver. O local, que, devido a região, provavelmente foi uma fazenda de algodão na época da escravidão, hoje, vive da fama de suas premiadas flores. E tudo vai bem até a chegada de Maya, a surpreendente Quintessa Swindell, sobrinha-neta da sra. Haverhill. A garota vem para trabalhar com Roth. Só que a sua presença vai mexer, para o bem e para o mal, com a dinâmica do lugar.

Jardim dos Desejos

Em uma entrevista, Schrader afirmou que gosta de usar metáforas para falar sobre os aspectos sombrios da América. E, de fato, ainda que seus filmes tenham momentos solares, eles, de uma maneira geral, passam a sensação de uma existência arrastada, pontuada por dias nublados. E essa sensação parece se materializar na forma de uma nuvem escura, bastante carregada, que acompanha os seus protagonistas e influencia as suas personalidades. Do mesmo modo que o pastor Ernst Toller (Ethan Hawke) e o apostador William Tell (Oscar Isaac), nos longas-metragens de 2017 e 2021, o jardineiro Narvel Roth é um homem assombrado por fantasmas do passado, alguém que abandonou uma outra vida e faz de tudo para não ter nenhum contato com ela. Roth tenta viver na mais completa ordem e em paz com a sua consciência.

A metáfora usada pelo autor, tradutora da ordem e da paz buscadas pelo protagonista, está no jardim, caprichosamente cultivado por este e sua equipe. Em uma cena logo no início de Jardim dos Desejos, por meio de uma narração em off, Roth diz que a jardinagem é a mais acessível das artes. Que a matéria prima da qual o homem precisa está à disposição de todos. Em outra, ele ensina quantos tipos de jardins existem, conta que um deles é organizado pelo trabalho humano e que há um outro tipo que obedece ao ordenamento da natureza. Em uma destas tomadas, entre as flores, e num take com a sra. Haverhill, temos um breve vislumbre do seu passado: um revólver, um disparo efetuado e tatuagens espalhadas pelo corpo. A milenar arte da jardinagem é o que o apazigua e o mantém centrado.

Neste contexto, não é de se estranhar que a presença de Maya mexa com a dinâmica do lugar. Humilde, fruto de uma aventura, como explica sua tia-avó, apesar de ter o mesmo sangue desta, ela não parece pertencer àquele lugar. Entre a casa-grande que reina no centro da propriedade e a dependência dos empregados, nitidamente a jovem parece mais à vontade na segunda. O fato dela ser preta e aquele lugar provavelmente uma antiga fazenda de algodão, também acrescenta um simbolismo importante. E há, ainda, o passado do jardineiro. Suas tatuagens entregam quem ele foi e na vida abandonada não haveria espaço para aquela mulher. Acontece que, nesta obra de Schrader, a relação entre Roth e Maya representa um pedido de perdão da América pelos aspectos sombrios do seu passado.

Jardim dos Desejos ratifica o que quase todo mundo já sabia ou, ao menos, deveria saber: a grandeza do trabalho de Paul Schrader como roteirista. Revelado por um dos mais importantes movimentos autorais da história da Sétima Arte, a Nova Hollywood, ele é, sem dúvida nenhuma, um dos grandes autores de palavras surgidos no cinema norte-americano. Contudo, este rótulo talvez seja reducionista. Convivendo com alguns dos maiores cineastas de todos os tempos, especialmente Martin Scorsese, com quem trabalhou em diversas obras-primas, Schrader aprendeu valiosas lições e se transformou também em um esmerado autor de imagens. Uma sequência perto do final do filme, em que o jardineiro e a jovem cruzam de carro um bosque e este, subitamente, começa a florir, é uma das imagens mais belas deste ano.

Desliguem os celulares e excelente diversão.

Bruno Giacobbo
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

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