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Love Lies Bleeding mostra que a aproximação e a repulsa caminham lado a lado

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Os detratores da A24 fazem a associação de que seus títulos seguem o mesmo padrão tentando agregar o mesmo público, e criando quase um multiverso dentro de seu catálogo de projetos. A A24 é a mais comentada produtora estadunidense dos últimos dez anos, responsável por filmes tão diferentes quanto Vidas Passadas, Sob a Pele, Corra!, Joias Brutas e A Bruxa. Love Lies Bleeding: O Amor Sangra é o novo filme da diretora Rose Glass, que há cinco anos atrás lançava Saint Maud, uma experimentação de terror que não chegou ao circuito brasileiro, mas ainda assim a cinefilia consumiu com vontade. Aqui, ela avança em discussões acerca do feminino e dos desdobramentos possíveis dentro da sexualidade, que é realçada por uma estranheza bem-vinda ao selo, mas não dependente dele – como é a maioria dos grandes filmes que eles produzem.

A ousadia presente na produtora e distribuidora é um dado que conecta os cineastas que descansam sob as suas asas, mas essa ousadia não está ligado necessariamente à construção das imagens, apenas, mas muito mais fomentada por uma sensibilidade fora dos padrões do cinema comercial vigente. Isso está presente em Love Lies Bleeding: O Amor Sangra, partindo do princípio que ele não comunica o que quer dizer de maneira direta, embora sim seja um olhar frontal para os eventos. As informações são dadas, mas não da maneira que se espera, e isso traduz a própria comunicabilidade permitida ao feminino, que precisa andar pelas frestas para muitas vezes alcançar uma voz. E aqui não estamos falando somente de um olhar sobre a feminilidade, mas especificamente sobre uma postura lésbica.

Duas semanas antes da estreia de Love Lies Bleeding, Sacha Polk entregou Névoa Prateada no nosso circuito, o que mostra um momento muito fervilhante a respeito do recorte sobre o amor entre mulheres, junto também a Sem Coração. Esse painel montado não poderia ser mais diverso diante dos muitos momentos do que a heteronormatividade enxerga sobre essas relações. O que Glass aponta é um irônico abraço ao estereótipo, que acaba por liberar uma exacerbação fantástica do que seria aquela relação específica. Uma forma também de comunicar que o olhar íntimo que vem sendo investigado pode ser sim o lugar mais esperado, o que não impede essa discussão de ter uma especialidade, e uma magia crescente.

Além da tradução de uma relação normatizada entre duas mulheres, Love Lies Bleeding também investiga uma conexão entre essa observação carnal de gênero para um cinema fantástico que abrace o explícito do corpo. Existe alguma obviedade para as questões de empoderamento, traduzidas de maneira literal para o roteiro, mas essa potência da imagem é fortalecida para o discurso quando a fotografia de Ben Fordesman explora seus contornos. Esse é um aspecto inclusive primordial a respeito da força produzida pela decupagem dos planos, o quanto o recorte de luz define uma autoria ao filme, mas também o identifica dentro de uma tradição difundida por David Cronenberg a respeito do ‘body horror’, que voltou ao centro das discussões com Titane.

Se segue então a dualidade desses tratamentos, a história de amor e a criação do horror, ambas colocadas à flor da pele de suas protagonistas. Alia-se também uma tradição do cinema de gângster moderno que o próprio Cronenberg trouxe para os dias de hoje através de Marcas da Violência, e o que vemos é uma maneira radical de contar qualquer uma das quais sejam as visões acerca de suas particularidades aqui explícitas. Glass deixa ainda mais realçado quais são as origens do que será sua autoria no futuro, bebendo de fontes que não estão sendo traduzidas pela tradição e criando uma nova tradição autoral, ao lado de figuras como Julia Ducournau, Nia DaCosta, Jennifer Kent e muitas outras.

São imagens de liberdade que varrem as muitas estradas cortadas pelos faróis noturnos, que nos transportam com muita evidência a uma miríade de referências de gêneros, em um liquidificador que sacode o terror, o romance, o faroeste e a máfia. Com poucas chances de esbarrar com algo parecido, Love Lies Bleeding provoca o tempo todo os sentidos, mostrando que a aproximação e a repulsa caminham lado a lado. A forma como cada signo é exposto ali, e sua vontade de expandir os universos de tantas referências, retrabalha não apenas tais códigos, mas a percepção do espectador, positivamente perdido diante do material.

Não a atrapalha a intensidade com que Katy O’Brian e Kristen Stewart emprestam acertadamente ao seu material. Enquanto a primeira voa livre de amarras rumo a um desfecho cada vez mais agigantado, mostrando que pode evoluir muito nos próximos anos, Stewart mais uma vez entrega uma performance multifacetada e cheia de nuances, provando porque é uma das melhores intérpretes da atualidade. Se conectam de maneira uniforme a maneira como a cineasta filma esse ‘noir’ desconstruído, transformando Love Lies Bleeding: O Amor Sangra em uma experiência com muitas informações por segundo, que não faz concessões ao público formal, e provoca o incômodo típico das grandes obras.

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