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Planeta dos Macacos é um espetáculo de distopia política

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Entre 2011 e 2017, a renovada franquia Planeta dos Macacos não apenas arrastou multidões aos cinemas; o mais importante foi perceber que tanto Rupert Wyatt quanto Matt Reeves (pelo qual todos os louros são depositados, embora não seja o diretor do primeiro) se dedicaram ao máximo para transformar o que vimos em arte. O conceito de blockbuster – principalmente em tempos dominados por Marvel e DC – não estava sendo atrelado exatamente à demonstrações de qualidade explícita como atestaram os três títulos produzidos pela 20th Century Fox. Com a compra da marca pela Disney (e a perda da palavra Fox no título da distribuidora), a ganância faria a marca ser reativada sete anos após seu final. O respiro aliviado acaba de ser liberado: Planeta dos Macacos: O Reinado é um belo filme.

Com essa urgência em retomar uma base que tinha sido liquidada e um profissional de origem duvidosa como Wes Ball no comando, a aparência de produto caça-níquel comandado por um pau mandado era óbvia. O cineasta responsável pela série Maze Runner (uma espécie de sub-Jogos Vorazes, para quem nunca viu) exorciza o que era mais provável, e mostra-se um profissional apto para tarefas maiores, com o resultado apresentado aqui. Envolver o espectador era o mínimo, mas Ball faz isso indo além da elegância; sua eficiência não apenas nas cenas de ação, como na construção dramática em um projeto de material humano quase inexistente é espantosa.

Mais uma vez, a série nos faz esquecer muito rapidamente que estamos assistindo a um grupo de atores metamorfoseados pela mágica do CGI em símios dotados de compleição emocional. Planeta dos Macacos: O Reinado, que conta com apenas dois personagens humanos, é apresentado apenas pela evolução dos animais durante mais de meia hora inicial. Com uma extensa duração de quase 2 horas e meia de projeção, não sentimos o peso da narrativa em nenhum momento, porque a narrativa nos fornece personagens tão formidáveis quanto seria possível. O roteiro, magicamente (para os padrões hollywoodianos) escrito por uma única pessoa, Josh Friedman, é minucioso na hora de contar o tanto que precisa para se fazer relevante, e como é.

O público estará de frente, mais uma vez, a um espetáculo de distopia política clara onde os extremos estão colocados no centro da discussão para mostrar suas verdadeiras faces – por trás de homens e primatas. A essa altura, uma nova alegoria a respeito de seres mesquinhos que alcançam o poder enganando incautos pelo mundo, instaurando a hegemonia da extrema direita e se vendendo como falsos “messias”, já mostraram sua fala em todo tipo de narrativa. Ela não está gasta em Planeta dos Macacos: O Reinado simplesmente porque esses pilantras golpistas ainda se mostram eficazes em montar seus quadros de desinformações entre asseclas e correligionários, e porque o que é vendido aqui em particular acena para lados ainda mais amplos.

Planeta dos Macacos: O Reinado nos prepara, no campo da metáfora alegórica, para a possibilidade de desligamento moral dentro dos mesmos campos de interesse. No objeto de análise do filme, oprimidos se transformam em opressores assim que têm acesso ao poder, e instauram uma nova ordem de deturpação da visão, as palavras do passado são reformuladas para benefício próprio, mostrando inclusive a criação de uma massa subjugada utilizada como massa de manobra. Qualquer semelhança com ‘mitos’ forjados que vendem discursos populistas vazios não é mera coincidência, roteiro e direção encaminham sua linguagem na direção desse entendimento, inclusive quando remonta que, a qualquer momento, quem um dia foi raça dominante pode voltar a qualquer momento, com a mesma sede de sangue de outrora.

No trabalho de Ball enquanto realizador, Planeta dos Macacos: O Reinado causa espanto pelo resultado alcançado. São muitas cenas exemplares na confecção final, desde o primeiro ataque na vila pacata do protagonista, passando pela captura dos humanos no riacho, indo até o clímax, que coaduna muitas camadas de complexidade da mise-en-scene. Tudo isso é resultado de um esforço coletivo, que também reside na criação de diálogos que nos remetem ao cerne da questão política do filme, sem exercer o folhetim. Essa é uma daquelas sessões de cinema que se encerram com o pensamento já na revisão, até por estar apresentando um novo segmento para a criação do que virá no futuro.

Acima de tudo, o que o roteiro de Friedman propõe é uma tentativa de um estudo às avessas, com a retomada de lugares que constituíram a histórica formação da sociedade, mas aqui com seus lugares ao contrário. Parece uma proposta até espertinha demais, porém à ela cabe à perfeição no que está sendo apresentado. E se a retomada dos lugares de origem fossem compreendidos em reflexo ao que sempre existiu? É uma fantasia bem urdida a que os é aproximada em Planeta dos Macacos: O Reinado, mas que não deixa de demonstrar sua atualidade diante do campo dos opressores escondidos em todos nós, prestes a aflorar ao menor sinal de autoritarismo.

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