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Greice e as nossas percepções sobre os filmes e as pessoas

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 Gosto, cada vez mais, de perceber como os gêneros cinematográficos podem ser fluídos e definidos de acordo com a percepção do espectador. Não há certo ou errado, o que há são percepções, ainda que algumas, por vezes, soem de forma estranha para os outros. Dito isto, antes da sessão de pré-estreia de Greice, realizada na noite de uma segunda-feira chuvosa e friorenta, no Rio de Janeiro, o diretor e roteirista Leonardo Mouramateus falou brevemente com a plateia e classificou a sua obra como uma comédia. Gosto também de entrar em uma sala de cinema feito uma tela em branco prestes a ser preenchida pelo artista. Ir assistir à um filme sem qualquer informação prévia pode ser, para o bem ou para mal, uma experiência e tanto. Foi assim que fui ver o supracitado trabalho: munido única e exclusivamente de uma brevíssima sinopse de duas linhas, ou seja, quase na mais completa ignorância. 

Filmado em Portugal e no Brasil, o longa-metragem narra as aventuras e as desventuras de Greice (a estreante Amandyra), em Lisboa. Natural de Fortaleza, ela atravessou o oceano Atlântico para estudar em uma conceituada faculdade de artes local. Com o intuito de não depender do dinheiro enviado pela mãe, a jovem divide o seu tempo entre os estudos, a gerência de uma espécie de quiosque-cafeteria e o trabalho como assistente de Clea (Isabel Zuaa), uma cantora em ascensão nas paradas de sucesso. Um dia, no auge do verão, ela faz uma aposta com a amiga Lis (Luara Learth) e perde. Como pagamento, a protagonista precisa encontrar uma piscina onde elas possam se refrescar e é assim que conhece Afonso (Mauro Soares), o proprietário de uma bela mansão dotada de uma igualmente bela piscina. Daí em diante, muitas coisas acontecerão e o modo como eu e vocês perceberemos estas coisas poderá ser diferente.  

Em consonância com a percepção do diretor, Greice fará muita gente rir. Se extrairá gargalhadas, risadas ou tão somente um sorriso, isto dependerá do senso de humor do público. No entanto, há bem mais na atmosfera do filme e se prender à classificação de comédia, mesmo que esta seja advinda do próprio autor, é aprisionar uma obra que tem muito a oferecer. Desde a primeira cena – uma narração em off sobre as estátuas que adornam os corredores da faculdade – e o seu desdobramento – uma festa de recepção aos calouros -, um crescente clima de mistério e de tensão é engenhosamente construído sem jamais se desfazer totalmente ao longo dos 110 minutos de projeção. E esse clima se escora, fundamentalmente, em dois pilares centrais: a personalidade da protagonista e a montagem de Karen Akerman, um dos melhores nomes do cinema nacional em sua área.    

Desde o princípio, Greice se apresenta como uma personagem dúbia, charmosa e dotada de uma lábia insinuante. Em uma de suas primeiras aparições, ela conta uma mentira para conseguir pagar a tal aposta. O problema não está em si no ato de mentir, afinal, atire a primeira pedra quem nunca contou uma pequena mentira, não é mesmo? A questão está no padrão que começa a se formar neste momento, um padrão que, em algum momento iremos descobrir, não vem de agora. Tal qual o icônico Chicó da peça O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, só que um pouquinho mais maliciosa, a jovem parece ter uma necessidade compulsiva de contar histórias fantasiosas e, desta maneira, claro, mentirosas. A seu favor conta o fato de nenhuma das pessoas da trama ser um modelo de virtude. Todos, ou quase todos, contam suas pequenas mentiras. Se as delas são inofensivas ou maldosas, o filme dirá no tempo certo. 

Já o trabalho de Akerman impacta diretamente no ritmo do longa-metragem e na proposta narrativa escolhida pelo cineasta. Assumidamente um contador de histórias – todos os cineastas não deveriam ser assumidamente contadores de histórias? -, Mouramateus opta, aqui, pela não linearidade. Além disto, sua trama tem uma protagonista que é também a sua narradora e em algumas cenas somos apresentados aos fatos como vistos e vividos por ela. Esses dois aspectos por si só – a não linearidade e os fatos contados através da percepção do outro – influenciam e embaralham, por tabela, a nossa percepção enquanto espectadores. Com uma edição ágil, a montadora contribui para este mosaico de percepções e para a condução da trama até um desfecho que dependerá da percepção do espectador: Greice cumprirá a promessa feita a outro personagem perto do final do filme? Vejam e respondam vocês mesmos. 

Desliguem os celulares e excelente diversão.

Bruno Giacobbo
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

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