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Ainda Somos os Mesmos tem boa intenção ao abordar a Ditadura Militar

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Chega a ser curioso que a estreia de Ainda Somos os Mesmos, dirigido e roteirizado pelo cineasta gaúcho Paulo Nascimento, ocorra na mesma semana em que a Academia Brasileira de Cinema anunciou, com pompas e uma rara unanimidade entre seus eleitores, a escolha de Ainda Estou Aqui para representar o Brasil no Oscar 2025. Além dos nomes levemente semelhantes, o que pode levar um espectador a trocar as bolas, eu mesmo, enquanto conversava com um amigo, misturei os nomes, ambos abordam fatos ocorridos no período mais difícil da história recente do nosso país: a Ditadura civil-militar iniciada na madrugada do dia 1º de abril de 1964. Dos dois, eu só vi o primeiro até agora, mas a julgar pelo que vi e pela forma como o segundo foi recebido e premiado no Festival de Veneza, devo acreditar que as semelhanças param por aí. 

Quinto longa-metragem de Nascimento, Ainda Somos os Mesmos é baseado nos relatos e nas memórias de um grupo de brasileiros que, durante o golpe de estado que derrubou o Governo de Salvador Allende, no Chile, permaneceu por 42 dias isolado na embaixada da Argentina, em Santiago. Como mostra a película, as condições não eram as melhores. Muita gente enfurnada em um espaço proporcionalmente pequeno. Todavia, era isso ou cair nas mãos dos militares chilenos e, assim, provavelmente, morrer. Dentro deste cenário exíguo que domina quase a totalidade das cenas, o protagonista é Gabriel (Lucas Zaffari), um estudante de medicina que foi parar na clandestinidade. Fora dele, não. 

Nas cenas externas, passadas nos corredores dos palácios do poder, seja no Brasil, seja no Chile, o protagonismo é de Fernando (Édson Celulari), um rico industrial que não por acaso é também o pai de Gabriel. Mesmo sem aprovar as ações que levaram à situação em que este se encontra, ele não medirá esforços para salvar seu único herdeiro e, ainda que por tabela, todos os compatriotas enclausurados na embaixada portenha. Esta escolha narrativa por parte do diretor, de tirar dos oprimidos o protagonismo e atribuí-lo a um pai que dialoga em pé de igualdade com os opressores, é interessante, mas se mostra ineficaz. Como crítico, só posso  imaginar que a intenção tenha sido mostrar um pouco do que os parentes destes exilados passaram e sofreram, entretanto, poucas são as tomadas que desnudam esse sofrimento. 

Fiel escudeiro de Nascimento e espécie de ator-fetiche do diretor, Edson Celulari, que também atua como um dos produtores da obra, bem que tenta dar sua contribuição para elevar o resultado final. Porém, infelizmente, não consegue. O roteiro por ele defendido possui alguns momentos, digamos, constrangedores caracterizados por diálogos pueris ou por cenas que tentam impactar pelo seu apelo dramático, mas que fracassam e, por vezes, até arrancam alguns risos. Em uma sala da embaixada do Brasil, onde um diplomata e os seus assessores são vistos fumando charutos, Fernando comenta: “Um cubano é sempre bom”, em uma clara alusão ao fato de que Cuba, a maior produtora de charutos do mundo, era uma nação comunista, ideologia esta desprezada pelo governo brasileiro. Eis que ele recebe a seguinte resposta: “Charutos não possuem ideologia”.  Já em outra cena, uma personagem vivida por Carol Castro trata uma dessas típicas cadeiras de escritório como se fosse o seu falecido marido. Chega a ser cômico, o problema é que a intenção não era esta. 

Ainda Somos os Mesmos e o supracitado postulante nacional ao Oscar não são as únicas produções deste ano que abordam a longa noite de 30 anos que se abateu sobre a nossa democracia. Há outras. Obras assim são sempre muito bem-vindas, pois, como escreveu uma vez a historiadora Emília Viotti da Costa, “um povo sem memória é um povo sem história e um povo sem história está fadado a cometer, no presente e no futuro, os mesmos erros do passado.” Contudo, apenas boas ideais ou boas intenções não são suficientes para transformar este combo em um grande filme ou em algo verdadeiramente memorável. Para além das nuances do roteiro, já citadas, devo destacar também negativamente a pesada fotografia da obra. Se o intuito era transmitir a sensação de o quão pesados foram aqueles anos obscuros, não deu certo. Paulo Nascimento tinha, aqui, boas ideias e boas intenções, mas o modo como tudo foi realizado simplesmente não funcionou. 

Desliguem os celulares e assistam a sessão. 

Bruno Giacobbo
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

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