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Herege confirma talento de Hugh Grant em filme de Terror

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Em Herege, Duas mulheres jovens são vistas andando para lá e para cá. Logo fica claro que são missionárias da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, uma denominação cristã, fundada por Joseph Smith, em 1830, em que os fiéis são popularmente conhecidos como mórmons. O papo delas, quase uma divagação, transita por assuntos diversos que vão desde quantas pessoas cada uma delas já converteu, até a aleatória confissão por parte da irmã Paxton (Chloe East) de que teve certeza da existência de Deus vendo um filme pornográfico. A reação da outra mulher, a irmã Barnes (Sophie Thatcher), claro, não poderia ser outra: um misto de espanto, descrença e curiosidade, mais ou menos nesta ordem. No momento da confissão, elas estão sentadas em um daqueles bancos de pedra que ficam em praças públicas e costumam ter um anúncio publicitário no encosto. Quando a câmera se afasta, nos deparamos com a publicidade de uma marca de camisinha, deixando no ar a dúvida se tudo isso não passa de uma mera coincidência ou se Deus estaria de olho em suas filhas. Também neste momento, já estamos totalmente enredados pela maneira como os cineastas Scott Beck e Bryan Woods decidiram contar a história de  “Herege”, a mais nova produção de gênero da A24. 

Algo bastante comum para os mórmons e algumas outras denominações cristãs, Paxton e Barnes estão pregando a palavra de Deus, de esquina em esquina, de casa em casa. Nas ruas encontram uma generosa dose de descrença. Quando não são vítimas do bullying praticado por um grupo de jovens, acabam ignoradas por pessoas apressadas e imersas em seus próprios mundos. Desta forma, quando batem na porta e tocam a campainha do senhor Reed (Hugh Grant), elas ficam felizes em se deparar com um pouco de empatia. Do lado de fora da residência, chove como se o juízo final estivesse prestes a começar. Gentilmente, o anfitrião pergunta se não gostariam de entrar e se aquecer. No entanto, apesar do teor da conversa inicial, aquela no banco, as duas mulheres não podem estar no mesmo recinto que aquele homem se não houver outra mulher presente. Ele diz que sua esposa está em casa e assando uma torta. Essa é a senha para que elas aceitem o convite, afinal não há mal algum em fazer um lanche enquanto convertem mais uma alma, certo? Pelo menos era isto o que pensavam as duas missionárias. Ledo engano. 

A partir do instante que o mise-en-scène se transfere para dentro da casa, a história de Beck e Woods dá uma encorpada. As irmãs não foram parar lá aleatoriamente. O senhor Reed colocou o seu nome em uma lista de pessoas interessadas em receber mais informações sobre a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, o que, pelo menos em teoria, facilitaria a missão delas. Entretanto, este não era o seu real propósito. Segundo os dicionários, herege é o nome dado ao indivíduo que professa uma heresia, ou seja, que questiona determinadas crenças estabelecidas por uma religião; é também a pessoa que se mostra contrária aos dogmas de um grupo religioso ou seita. Uma vez sentadas confortavelmente em um sofá e servidas de uma bandeja munida de refrigerantes e petiscos, não são elas que tomam a palavra e, sim, ele, em um autêntico jogo de gato e rato. Desfiando um rosário quase interminável de conhecimento sobre a história dos mórmons, o dono da casa procede com uma arguição que tem como objetivo colocar em xeque a fé de Paxton e Bernes. O ápice deste falatório, que poderia ser algo monótono e cansativo, caso os diálogos não fossem ágeis e dotados de uma certa esperteza, é uma inusitada e divertida comparação entre religiões e redes de fast-food. 

O falatório, os questionamentos religiosos e o embate intelectual que envolverá ainda outras comparações igualmente inusitadas e divertidas com jogos de tabuleiro e músicas, são partes importantes do filme pois servem, justamente, para embasar as intenções do senhor Reed antes da trama se transformar e ganhar contornos mais típicos das obras de gênero. Até o final deste momento, o anfitrião se mostra um homem educado, simpático e bem-humorado.

Aliás, Grant, em entrevista após o lançamento de Herege, disse que teve total liberdade para compor o seu personagem do jeito que ele desejava. Para atrair as duas moças para dentro da casa e assumir as rédeas da situação, não poderia ser diferente. De outra maneira não seria crível. E Grant, de fato, acertou em cheio. Ele está maravilhoso na pele do antagonista. E esta era uma dúvida real: como é que o príncipe das comédias românticas britânicas se sairia fazendo um papel de vilão em uma obra de gênero? A resposta foi a melhor possível. Há quem defenda que Hugh Grant tem aqui a melhor interpretação da sua carreira e eu, sinceramente, tendo a compartilhar desta opinião. 

Um dos pontos fortes de “Herege” é o seu elenco enxuto e afinado. Além de Grant, apenas Chloe East e Sophie Thatcher possuem tempo de cena suficiente para rivalizar com o destaque dado ao ator britânico. Se ele encarna perfeitamente o antagonista da trama, um maquiavélico predador a espera da sua caça, elas, em um primeiro momento, também encarnam adequadamente o papel de vítimas indefesas. Desde os diálogos iniciais, notamos uma ingenuidade que não corresponde à idade delas, mas que é explicada quando sabemos que foram criadas dentro da redoma de vidro de uma comunidade religiosa e conservadora. No entanto, parte desta ingenuidade talvez seja só aparente. Barnes parece mais safa, digamos assim, do que a outra. Não demora muito para ela sacar que há algo de errado e sugerir que saiam dali o mais rápido possível, embora, mais à frente, Paxton também dê pistas de que estava atenta aos mínimos detalhes. Logo, não soa estranho que, no fim, a caça acabe oferecendo uma resistência maior ao predador do que o esperado.

Me parece inegável que o longa-metragem perca um pouco da sua força na reta final, nos trechos onde, como escrito anteriormente, ele adquire contornos mais típicos das obras de gênero. Ainda que Beck e Woods apelem para um curioso desfecho que alguns entenderão como aberto, outros não, suscitando reflexões sobre o que de fato aconteceu, algumas das suas cenas derradeiras parecem mais do mesmo, reforçando, assim, a impressão de que “Herege” atinge o ápice quando justifica o título e discute questões religiosas. Este é o seu diferencial. Contudo, é igualmente inegável que a dupla de cineastas, até aqui mais celebrada pelo ótimo roteiro de “Um Lugar Silencioso” (2018) do que pelos seus trabalhos prévios como realizadores, entrega uma direção firme, que na maior parte do tempo sabe o que deseja mostrar e com escolhas interessantes de enquadramento. Ademais, para aqueles que gostam de um bom “fan service”, o brinde fica por conta do link com “Hereditário” (2018), outra badalada produção da própria A24. 

Desliguem os celulares e boa diversão. 

Bruno Giacobbo
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

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