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Inexplicável: Fabricio Bittar adapta livro “O Menino que Queria Jogar Futebol”

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O ofício de crítico de cinema, assim como o de artes em geral ou o de gastronomia, é, por vezes, complicado. Para estes é importante ter em mente que nem sempre o seu gosto particular pode ser determinante na hora de fazer uma avaliação. Um crítico gastronômico pode não curtir determinados sabores, mas se o prato promete entregar tais e tais aromas e entrega, ainda que você não curta, isso tem que pesar de forma positiva na hora de avaliá-lo. O mesmo ocorre com os filmes. Nem todos os longas-metragens são para todos os gostos e, de vez em quando, um crítico, por dever profissional, precisa ver algo que normalmente ele não assistiria, só que isso não pode, de maneira alguma, comprometer sua imparcialidade na hora escrever ou gravar sobre a obra. Dito isto, Inexplicável, do cineasta Fabrício Bittar, é uma destas obras que não são para todos os gostos. 

Inexplicável

Uma adaptação cinematográfica do livro “O Menino que Queria Jogar Futebol”, do autor Phelipe Caldas, o longa-metragem narra a história de Gabriel (Miguel Venerabile), um garoto paraibano de oito anos que, como tantos outros pequenos brasileiros, sonhava em ser um craque da bola. Torcedor do Fluminense, ele jogava e era o capitão de um time de futebol de salão. Fora isso, vivia com os pais Marcus (Eriberto Leão) e Yanna (Letícia Spiller), mais o irmão, em uma confortável casa de João Pessoa, onde estudava e tinha muitos amigos. A mãe ainda estava grávida de um terceiro filho, isso tudo depois de ouvir dos médicos, logo que casou, que seria bastante difícil engravidar. As coisas transcorriam bem até que, um dia, durante uma partida, Gabriel desmaiou em quadra. Após passar por uma emergência e ser examinado por alguns especialistas, o menino e a família receberam o diagnóstico de um tumor no cérebro. Começava, assim, uma árdua luta pela vida. 

Filmes, mesmo os mais experimentais, são sempre dotados de um propósito. Ninguém resolve contar uma história sem querer passar uma mensagem ou sem querer alcançar este ou aquele público. Longas como Inexplicável, baseados em histórias reais de superação, tem o propósito primordial de fazer o público chorar. São autênticos melodramas. Se, ao término de uma sessão, você olhar para o lado e notar uma série de rostos amarrotados, certamente, o propósito foi alcançado. Deste modo, confesso que a obra de Bittar me fez chorar como há muito eu não chorava em uma sala escura de cinema. O choro, nestes filmes, é um sinal de que o coração foi tocado, de que despertou alguma emoção contida lá dentro. Ponto para os responsáveis. Todavia, isso não é necessariamente um sinal de que estejamos diante de uma obra cinco estrelas. Às vezes, sim, mas nem sempre. 

A história do pequeno Gabriel é, por si só, bastante poderosa. Não sei se vocês, caros leitores, acreditam ou não em um Deus, mas vamos convir que poucas coisas poderiam explicar melhor o que ocorreu com o garoto do que a palavra milagre, o tal inexplicável do título da película. Após ter o tumor removido, ele chegou a ir para casa, mas voltou para o hospital com o diagnóstico de uma meningite bacteriana que o levou ao coma e, salvo um engano da minha parte, o fez ficar internado assim por 45 dias. E, enquanto os médicos tentavam o que estava ao alcance deles, a família, com a exceção de Marcus, se unia através da fé. Tudo, de fato, bastante poderoso, mas há várias maneiras de se contar uma mesma história. 

Com quase duas horas, Inexplicável é um filme denso que parece durar muito mais. Passar por ele é uma autêntica prova de fé, porque sofremos junto com a família de Gabriel. Não há folga ou respiro. Uma vez diagnosticado o tumor, temos a sensação de passar pelo mesmo turbilhão de emoções e isso se arrasta até o final, quando finalmente nos deparamos com um raio de sol por entre as nuvens cor de chumbo da tempestade. Em Inexplicável, as armas para provocar estas sensações são uma câmera que, por vezes, passeia pelas tomadas com uma velocidade de causar vertigem, uma trilha sonora intrusiva e closes capazes de provocar uma forte sensação de claustrofobia. Com uma mão pesada na maior parte das cenas, Bittar nem parece o mesmo diretor que, em 2018, entregou o divertidíssimo e debochado “Exterminadores do Além Contra a Loira do Banheiro”, uma das maiores surpresas daquele ano. 

Não é que a mão fique menos pesada na reta final do filme, mas pelo menos o sofrimento começa a desanuviar. E esta mudança de rota acontece quando o pai de Gabriel se convence que não acreditar é tão louco quanto acreditar, frase que ele escuta da boca do doutor Christian (André Ramiro), o médico que está cuidando da saúde do menino, em uma cena capital para o desfecho da história. A partir daí, o roteiro faz uso de analogias futebolísticas como, por exemplo, a partida só acaba quando termina, além de partir para situações aleatórias como a presença de um personagem que entra, por engano, no quarto do protagonista e faz uma oração, entre outras coisas. Estes são os momentos em que, potencialmente, há mais chance dos espectadores chorarem e aí fico me perguntando se os fatos foram exatamente deste jeito ou se rolou um “Deus Ex Machina” por parte dos roteiristas. Há quem goste e quem não goste destas situações, mas, de um jeito ou de outro, independente de quaisquer questões racionais, é difícil ficar indiferente. Desta forma, o choro também não faz diferenciação de espectador. 

Melodrama clássico, baseado em histórias reais, Inexplicável,  além de tocar o coração do espectador e fazer este chorar, tem um outro propósito evidente: transmitir uma mensagem de fé e conversão. Apesar de não ser oficialmente um filme religioso, o DNA desta mensagem está impresso em cada fotograma da obra, na escolha de músicas que são entoadas em momentos específicos, na figura de um tio da família, Cordeiro (Walter Breda), e principalmente na personagem da mãe, vivida pela atriz Leticia Spiller, por sinal, a melhor interpretação de todo o elenco. É ela que, apesar dos obstáculos, nunca vacila e acredita até o fim. De novo: há quem goste e há quem não goste de filmes com esta pegada, porém, aqui, tem um atenuante, a direção de Fabrício Bittar que consegue fazer do todo uma obra coesa e fiel aos seus propósitos. Enfim, só poderia ser mais curta, né? 

Desliguem os celulares e levem um lenço. 

Bruno Giacobbo
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

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