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Salão de Baile: This is Ballroom traz com delicadeza histórias da vida real

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Foi vendo o documentário Salão de Baile: This is Ballroom, dirigido pelas cineastas Juru e Vitã, que eu descobri que ballroom é muito mais do que o nome de uma antiga boate, que existiu e funcionou, durante boa parte da minha juventude, no bairro do Humaitá, Zona Sul do Rio de Janeiro. Ao pensar nesta velha casa noturna, tenho boas recordações de um tempo que, infelizmente, não tem volta. No entanto, a partir de agora, este nome adquiriu um outro sentido, muito mais amplo e rico de significados do que antes ou do que a simples tradução desta palavra, do inglês para a língua portuguesa, poderia entregar. 

Como revela o filme, a cena ballroom surgiu nos Estados Unidos, no final da década de 60, mais precisamente, em 1967. Neste ano, em algum lugar do subúrbio de Nova Iorque, após mais um concurso de beleza voltado para drag queens e vencido por uma branca, duas competidoras, as famosas drag queens Crystal e Lottie LaBeija, decidiram criar uma competição para pessoas pretas e latinas. E assim, paralelamente, junto com este novo concurso, que teve o seu primeiro baile realizado em 1972, surgiu a House of LaBeija, a primeira casa destinada a acolher pessoas de gêneros e de sexualidades dissidentes rejeitadas por suas famílias de sangue.

Ballroom

Esta opção por parte das diretoras de traçar um panorama da cena ballroom, embasando-a e contextualizando-a historicamente, desde o seu surgimento até a sua chegada ao Brasil, marcada por um baile que ficou conhecido como “Convenção das Bruxas”, pode, em um primeiro momento, soar didática demais. Todavia, no final das contas, revelou-se bastante importante para pessoas como este crítico que não conhecia absolutamente nada sobre esta cultura e por servir ao propósito de fazer a película dialogar com o maior número possível de espectadores. Aliás, esta era a única forma de Salão de Baile: This is Ballroom deixar de ser uma obra de nicho e como tal ser vista apenas por pessoas deste nicho. 

Outra decisão importante das realizadoras foi dar praticamente o mesmo tempo de cena para os os bailes e para as houses, afinal, tudo faz parte, de modo intrínseco, de um mesmo ecossistema cultural. Por exemplo: com a chegada da cena ballroom ao país, diversas casas foram sendo criadas e se proliferaram com o passar dos anos, replicando a razão de existir das houses norte-americanas e procurando reproduzir vínculos familiares reais. Consequentemente, com o tempo, se tornou uma prática muito comum as integrantes das casas adotarem o nome da própria casa como sobrenome.

No seguimento do documentário destinado a falar das houses, Juru e Vitã mostram como é importante o papel das mothers, as lideranças de cada umas destas casas, tanto em relação ao acolhimento das filhas, as demais integrantes, quanto no que diz respeito ao desenvolvimento dos talentos destas nas salões de bailes. Em uma das cenas mais bonitas deste seguimento e de todo o filme, descobrimos que estas famílias compostas por pessoas que escolheram estar juntas, às vezes, também contam com a presença de parentes consanguíneos. Mãe de uma das filhas da House of Cazul, Isabel mora na casa e é igualmente chamada por todas as outras residentes de mãe. 

Já no seguimento sobre os bailes, vemos como a cena ballroom incorporou elementos da cultura brasileira desde a sua chegada ao país. Competições originais como a Vogue, criada quando uma competidora decidiu copiar as poses feitas pelas modelos internacionais em revistas de moda, seguem populares, porém, com a incorporação de elementos regionais do samba e do funk, novas competições foram criadas, entre elas, a batekoo. Nesta modalidade, as participantes devem performar, mostrando toda a sua habilidade com o bumbum dançando e rebolando até o chão. 

Durante pouco mais de 90 minutos, Salão de Baile: This is Ballroom evita a todo custo a glamourização. A vida, nas houses e nos salões, longe do restante do mundo, não é idílica. Todas ali não são necessariamente mais sensíveis a situação uma das outras porque sofreram com o preconceito e com a rejeição. As casas funcionam, sim, como locais de acolhimento, de amparo e de farta distribuição de amor e carinho, mas nenhuma delas, como qualquer pessoa, está livre dos sentimentos mais mesquinhos da natureza humana. Logo, quando pisam no salão para uma competição, a disputa pode ficar acirrada e sair do controle. E mostrar isso com delicadeza, equilibrando tantas histórias bonitas com a crueza da vida real talvez seja o maior mérito das realizadoras. 

Desliguem os celulares e ótima diversão.

Bruno Giacobbo
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

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