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Conclave: Edward Berger retrata de maneira ficcional uma destas eleições

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A reunião para eleição do Papa, batizada de conclave, é considerada um dos eventos mais secretos do mundo. Uma vez falecido o ocupante do Trono de São Pedro, os cardeais se dirigem para o Vaticano de onde não saem até que alguém seja eleito. Lá, eles são isolados do restante do planeta. Cada um tem um dormitório próprio e a votação ocorre em uma Capela Sistina lacrada. Os cardeais não podem ver televisão, ler jornais ou acessar a internet. Telefones são confiscados e apenas após o término da eleição devolvidos. Poucos funcionários da Santa Sé, essencialmente freiras, tem acesso a estes homens durante o processo. O objetivo é que a humanidade não saiba o que o ocorre lá dentro. A única coisa que é dada a conhecer para o resto do mundo é o nome do Sumo Pontífice, como tal escolha se deu, pouco importa. É claro que obras como o instigante livro “Em Nome do Pai”, de David Yallop, já tentaram revelar segredos de bastidores, mas nada jamais foi confirmado oficialmente. Novo filme do cineasta alemão Edward Berger, Conclave retrata de maneira ficcional uma destas eleições. 

Conclave
Credit: Courtesy of Focus Features. © 2024 All Rights Reserved.

Adaptação cinematográfica do best-seller homônimo de Robert Harris, o longa começa justamente com o falecimento do Papa. No centro da trama está o cardeal britânico Thomas Lawrence (Ralph Fiennes), o decano do colégio cardinalício e, por isso mesmo, responsável por organizar o próximo conclave. Aos poucos, outros cardeais vão chegando, entre eles, os italianos Aldo Bellini (Stanley Tucci) e Goffredo Tedesco (Sérgio Castellitto); e o nigeriano Joshua Adeyemi (Lucian Msamati). E há aqueles que trabalham na estrutura da Santa Sé como, por exemplo, o canadense Joseph Tremblay (John Lithgow). E, assim, um por um, o grupo vai ficando quase todo completo. A apresentação destes personagens serve para que o filme, concebido como um thriller, não comece a 100 por hora. É importante, antes de trocar a marcha e acelerar, que conheçamos aqueles homens e saibamos o que eles pensam por meio de conversas frívolas. A primeira troca de marcha ocorre com a chegada de um personagem inesperado: o cardeal mexicano Vincent Benítez (Carlos Diehz), nomeado em segredo pelo falecido Papa sem que ninguém desconfiasse (sim, isso é possível).

Se o que ocorre dentro de um conclave, suas discussões de natureza religiosa e política, as votações, quem votou em quem, são segredos nunca confirmados, somente especulados, o processo eleitoral em si não é segredo para ninguém. É normal, antes de cada conclave, que a imprensa internacional repasse as regras, explique sobre a fumaça que anuncia a eleição do novo Papa e por aí vai. Deste modo, é possível afirmar que a película de Berger, boa parte rodada no Cinecittà, em Roma, é perfeita na hora de emular uma eleição papal quando pensamos apenas no processo. No entanto, só isso não bastaria. Para fazer o público mergulhar de cabeça dentro deste evento, era necessário ainda um desenho de produção que primasse pelo esmero. E isso foi alcançado. A réplica do interior da Capela Cistina, construída para a produção, é de um verdadeiro preciosismo e os demais cenários não ficam atrás. Quem se aproveitou bem destas construções foi o fotógrafo Stéphane Fontaine, que usou as imagens do teto da capela, pintado por Michelângelo, para capturar alguns contracampos belíssimos. Os takes dos cardeais, das irmãs e das bitucas de cigarros, resultantes das tais conversas frívolas, são igualmente belos. 

Já os segredos que, normalmente, não temos como saber são preenchidos pelo excepcional roteiro de Peter Straughan, ganhador do Globo de Ouro 2025. É claro que o mérito não é só dele, afinal há o best-seller que deu origem a tudo, mas o roteirista fez desse um produto cinematográfico vendável. Se Conclave é um thriller político bastante tenso, ágil, que vai, progressivamente, subindo o tom, é porque Straughan capturou bem o espírito de toda uma instituição. Após a cabine de imprensa, vi comparações com a série “House of Cards” e, lá pelas tantas, no próprio filme, um cardeal dispara para outro: “Não quero ser o Richard Nixon dos Papas”. Pode soar estranho para algumas pessoas, mas o Vaticano, apesar de ser um pequeno país, é uma imensa nação quando pensamos na quantidade de fiéis católicos: 1,36 bilhão, segundo números de 2020. O Papa é um líder religioso e político, um chefe de estado extremamente influente. Dito isso, por mais que a tradição apregoe que a eleição papal é guiada pelo Espírito Santo, não se enganem, há muitos interesses em jogo. Há politicagem, liberais versus conservadores, cargos em disputa, poder em forma de almas e a compreensão de todas estas ricas nuances é contemplada pelo verborrágico e poderoso texto de Straughan. 

Em seu último longa-mensagem, “Nada de Novo no Front”, vencedor de quatro estatuetas no Oscar 2023, o cineasta Edward Berger já tinha se revelado um ótimo diretor de atores. Agora, nesta nova empreitada, ele reafirma tal condição. Juntos ou separados, intérpretes conhecidos do público brasileiro como Ralph Fiennes, Stanley Tucci e John Lithgow; ou não tão conhecidos assim, Sérgio Castellitto, Lucian Msamati e Carlos Diehz, se mostram, ao longo de duas horas de projeção, escolhas perfeitas. Dá para dizer que, no desempenho de seus respectivos papéis, cada um deles, não necessariamente na ordem a seguir, simboliza muito bem uma virtude ou um defeito: o discernimento, o inconformismo, a imoralidade, a intolerância, a ambição e a humildade. É óbvio que esta não é a única matéria-prima da qual é feita cada um destes personagens, porque se fosse eles seriam rasos e isso é tudo o que eles não são. E em meio a um universo tão masculino, há espaço ainda para uma personagem feminina, a Irmã Agnes, governanta dos aposentos papais, vivida por Isabela Rosselini em um discreto tour de force e com participação decisiva em um dos momentos cruciais da história. 

Embalado pelos acordes da trilha sonora de autoria do compositor, pianista e ex-rapper Volker Bertelmann, responsável por uma das quatro estatuetas de “Nada de Novo no Front”, Conclave, como todo bom thriller, depois que pega no tranco não para mais. A tensão, nascida da junção quase celestial de ótimo texto, trilha intensificadora de sentimentos carnais e atuações viscerais, tudo isso com a moldura de uma fotografia que Michelângelo assinaria se tivesse nascido hoje, pulsa na velocidade das reviravoltas da trama até seu final absolutamente surpreendente. Em um dos grandes momentos da obra, o Cardeal Lawrence profere uma homilia onde diz que, depois de algum tempo na Igreja, existe um pecado que ele passou a temer acima de todos: a certeza. Pois se houvesse só certeza e nenhuma dúvida, não haveria mistério e, por consequência, nenhuma necessidade de fé. Contrariando-o, pelo menos em se tratando deste filme, eu afirmo com toda a certeza: Conclave nasceu clássico e Edward Berger é um cineasta para termos no radar daqui para frente. 

Desliguem os celulares e excepcional diversão. 

Bruno Giacobbo
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

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