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Encontro com o Ditador, um thriller político, baseado em fatos reais

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Situado no sudoeste asiático, o Reino do Camboja é uma monarquia constitucional que, segundo alguns indicadores econômicos, teve um desenvolvimento médio de 6% nos últimos dez anos. O número não é tão alto assim, mas é animador, ainda mais quando comparado com o quadro geral do final da década de 70. Entre 1975 e 1979, o país foi governado pelo regime comunista do Khemer Vermelho, sob a chefia do Irmão n° 1, o primeiro-ministro Pol Pot. Durante estes quatro anos, os cambojanos foram vítimas daquele que é considerado, em números proporcionais, um dos maiores genocídios da história. Das oito milhões de pessoas que viviam por lá, cerca de 1,7 milhão foram dizimadas. Encontro com o Ditador, dirigido pelo cineasta Rithy Panh, mostra o olhar de três jornalistas franceses em relação a este horror. 

Encontro com o Ditador

O longa começa com a chegada ao Camboja dos três profissionais de imprensa: a repórter Lise Delbo (Irene Jacob), o jornalista Alain Cariou (Grégoire Colin) e o fotojornalista Paul Thomas (Cyril Gueï). Todos estão no país como convidados do regime. A ideia é mostrar ao mundo o sucesso da revolução em curso. Apesar de estarem lá por livre e espontânea vontade, ninguém os obrigou a aceitar o convite, eles não tem liberdade de ir e vir. São recepcionados no aeroporto e levados até o alojamento onde ficarão hospedados. E assim mesmo, chegando ao local, são de imediato trancados e solicitados a aguardar as próximas instruções. A partir daí, todas as visitas e fotos são feitas sob rigoroso acompanhamento militar. 

Adaptação cinematográfica do livro “When the War Was Over: Cambodia and the Khmer Rouge Revolution”, de Elizabeth Becker e sem tradução para o Brasil, o filme de Panh, que por sinal é um legítimo cambojano, é um thriller político que não tem vergonha alguma de tomar partido, ainda que em casos como este seja impossível ficar em cima do muro. Em Encontro com o Ditador, os horrores são mostrados de forma crua e de um jeito bastante interessante. Aliás, o cineasta poderia ter optado por filmar tudo em locações, com a presença dos atores e de figurantes. No entanto, ele ousou e adotou três “técnicas” diferentes aqui: a primeira, naturalmente, foi a utilização de intérpretes e locações. A segunda, uma animação, usou bonecos e maquetes no lugar de pessoas e cenários reais. Já a terceira, onde realmente reside a ousadia, lançou mão de vídeos de arquivos com imagens reais dos horrores ocorridos no Camboja. 

Boa parte da força do longa-metragem está nesta terceira técnica que, de certa forma, confere à obra ares de documentário. Quase toda a crueza está nestas imagens, sem, entretanto, tirar o mérito do restante da produção. O trabalho dos três atores, Irene, a antiga musa do diretor Krzysztof Kieslowski, Grégoire e Cyril, também é digno de nota. E é curioso como eles revelam facetas diferentes de uma polarização política que ocorre ainda em nossos tempos, porque, sim, apesar deste ser um filme sobre fatos ocorridos há quase cinco décadas, muitas coisas ali são bastante atuais, afinal, política é política e ditadores apenas mudam de endereço. 

Lise e Paul possuem uma personalidade contestadora, que precisa mais do que fatos para se convencer. As “provas” do sucesso da revolução, fornecidas por seus anfitriões, não são suficientes e eles querem mais. Claro que isso pode trazer problemas para o trio. Por sua vez, Alain age de uma maneira quase ingênua. Como conhece Pol Pot e outros líderes do Khemer Vermelho desde a época da universidade, na França, aonde foram colegas, na sua cabeça, aqueles homens, outrora jovens idealistas, não seriam jamais capazes de fazer o que o mundo todo os acusa de fazer. Ele se agarra nesta crença até o desfecho da película, quando, enfim, a tensão deste thriller atinge o píncaro. E aí é fácil constatar como tal personagem alude perfeitamente àquelas pessoas que, mesmo diante dos fatos, insistem em defender bandidos travestidos de políticos impolutos. Tão atual. 

Representante do Camboja no Oscar 2025, Encontro com o Ditador é uma produção franco-cambojana, que infelizmente, não conseguiu um lugar entre os 15 filmes que estão pré-classificados na categoria de Melhor Filme Internacional da principal premiação do cinema mundial. Contudo, de modo algum isso confere qualquer tipo de demérito para o longa. Um filme ou quaisquer outras obras de arte não devem ser medidas pelos prêmios que amealham pelo caminho, mas, sim, pelo impacto que provocam nas pessoas e na capacidade de impulsionarem reflexões. E, neste aspecto, não tenho a menor dúvida em afirmar que este é um longa-metragem mais do que laureado. 

Desliguem os celulares e boa reflexão.  

Bruno Giacobbo
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

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