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Trilha Sonora para um Golpe de Estado

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Ao menos um grande feito foi conseguido por Trilha Sonora para um Golpe de Estado que independe de suas atribuições formais. Indicado ao Oscar de melhor produção documental em um dos anos mais brilhantes recentes para seu gênero, que provocou um engarrafamento de produções de alta entrega. Ao conferir que ficaram para trás títulos de absorção mais fácil e imediata, percebemos que a construção minuciosa de um momento político muito específico é universal aqui, e que mesmo soando um pouco mais hermético do que o cidadão médio consegue absorver, o filme se comunica. Não é um processo rápido, pelo contrário; existe uma necessidade de mergulho no que vemos, e tais elementos são tratados de maneira até didática, mas que compreende o espaço das coisas.

A coragem vem do que está sendo contado, que é o assassinato do primeiro ministro do Congo em 1961, poucos meses depois da declaração de independência de uma série de países africanos. Patrice Lumumba esteve à frente da negociação, que acabaram por demonstrar uma queda óbvia do poderio dos colonizadores. Tais eventos são contados exclusivamente com imagens de arquivo, sejam fotos ou vídeos, e narrados a partir dos relatos de figuras políticas do período, e de um escritor dos dias de hoje. O resultado em Trilha Sonora para um Golpe de Estado é um conto político narrado a partir das maiores estrelas estadunidenses do jazz, que não perceberam que serviam como cortina de fumaça do que viria a acontecer dentro de instantes. 

O problema maior que o filme apresenta é como tematicamente isso tudo é mais fascinante do que a forma como tais narrações são apreendidas, que mostram-se criativas em pesquisa e em edição, embora menos efetivas no ritmo que o filme apresenta. Além disso, Trilha Sonora para um Golpe de Estado sabe das limitações de interesse que pode alimentar nas pessoas; não há uma movimentação para tornar o que estamos vendo mais sedutor do que a disposição repetitiva provoca. Com uma apresentação grande demais para atender um contexto, e que demora a mostrar suas invenções maiores em montagem, o diretor belga Johan Grimonprez não deveria superestimar a capacidade do espectador na sedução pouco efetiva que ele promove. 

O cuidado no que está sendo apresentado acaba por não conseguir demonstrar o quanto a descrição dos fatos pode estar comprometida, de alguma forma. Apesar da condução ser elencada por pessoas de origens diferentes, e nenhuma delas ser americana do norte, a moldura do filme situa os EUA em papel de heroísmo que esbarra tanto no exagero quanto em mais uma ideia de colonialismo. O mais grave é que isso não parece definido pelo tempo, mas pelo recorte que o diretor apresenta de maneira mais sugestiva. Se Trilha Sonora para um Golpe de Estado mostrasse como tais certezas foram demolidas por uma troca de dominação, seria algo avançado do ponto de vista; do jeito que ficou, Grimonprez parece não se dar conta de que abre uma discussão parecida com a dos algozes do filme. 

Com tudo o que pode ser questionável aqui, não é difícil se encantar com uma produção tão avessa ao que o tradicional documentário internacional carrega de comum. O trabalho de montagem, a cargo de Rik Chaubet, é preciso na pesquisa e em como todo aquele jogo de poder é construído mesmo antes de revelar sua carga podre. É um trabalho de construção imagética muito acurada, que situa nossa percepção exatamente na época em que o filme se assenta. Além disso, é um trabalho sério de intenção no que está sendo denunciado, entendendo que os EUA têm parcela de culpa no que aconteceu. Só não há qualquer tipo de mea culpa por parte dos personagens que criaram uma situação onde o horror continua adentrando os espaços de quem está interessado na liberdade. 

Trilha Sonora para um Golpe de Estado ainda chega numa temporada onde o filme político acaba sendo a maior parte da categoria onde concorre, com No Other LandPorcelain War e ele sendo os mais explícitos – mas mesmo Black Box Diaries Sugarcane revelam camadas sociais do resto de um mundo prestes a colapsar. Nesse sentido, esse é o único filme cujo caráter é histórico para uma situação que ficou aparentemente no passado – os ecos obviamente ainda estão entre nós. Mas é justamente por enxergar as possibilidades de novas ditaduras ao nosso redor, onde os governos de extrema direita funcionam quase como colonizadores de cada nação é que o filme de Grimonprez continua atual e muito representativo. 

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