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Ruy Guerra lança thriller psicológico premiado com três Kikitos no Festival de Gramado

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Nascido em Lourenço Marques, hoje, a cidade de Maputo, o moçambicano Ruy Guerra foi um dos membros do “Cinema Novo”, o grupo de “jovens turcos tupiniquins” que sacudiu a cena cultural brasileira na esteira e por influência dos “jovens turcos” da “Nouvelle Vague”. Acontece que a sua atuação como um dos mais prolíficos diretores nacionais ultrapassou bastante o tempo de uma época. Enquanto muitos dos seus colegas já se foram, Glauber Rocha, por exemplo, precocemente, ele ainda está por aqui, aos 93 anos, filmando e se configurando como uma espécie de Clint Eastwood tropical. Da obra-prima “Os Fuzis”, ao controverso “Quase Memória”, Guerra não roda um filme apenas por rodar, seus trabalhos almejam sempre o status de um acontecimento e com Aos Pedaços não haveria de ser diferente. 

Após um hiato de praticamente dez anos desde o lançamento comercial da sua última película, ele agora nos apresenta um thirller psicológico que tem como protagonista Eurico Cruz (Emílio de Mello), um homem que habita duas casas idênticas, uma no deserto, a outra perto do mar, e que em cada uma delas tem uma esposa com o mesmo nome: Ana (Simone Spoladore) e Anna (Christiana Ubach). Um dia, ele recebe a visita de Eleno (Júlio Adrião), personagem estranho que, de posse de uma bíblia, diz falar com Deus e carrega consigo   um bilhete vaticinador: o protagonista será morto por “A”. Mas por qual “A”? Ana? Anna? Daí em diante, Eurico será atormentado por uma duvida atroz, pelo medo e por um estado de confusão mental. 

Ganhador de três Kikitos no Festival de Gramado de 2020, sim, foram cinco anos até conseguir lançar Aos Pedaços, esse não é um filme fácil. Parodiando Chacrinha, é como se ele dissesse para o espectador: “eu não vim para explicar, eu vim para confundir”. Apesar da premissa clara e da própria introdução da obra, que logo em sua cena inicial explica a dinâmica domiciliar do personagem principal, leva-se muito tempo até vermos Ana e Anna juntas. O visual loiro platinado que remete ao das protagonistas de Persona, de Ingmar Bergman, nos faz duvidar seriamente da existência das duas personagens: será que ali não seria uma única pessoa e a forma como Eurico as vê fruto da tal confusão mental? Afinal, ele está confuso e nada nos garante que este estado começou com a ameaça. Eleno também é enigmático e, às vezes, deixa escapar falas que colocam em dúvida a sua própria existência física.

Dois dos três prêmios dados para o filme em Gramado se justificam pelo simples fato de serem aspectos que contribuem amplamente para o sucesso da proposta da obra: a fotografia e o som. Com a assinatura de Pablo Baião, o preto e branco das imagens passa uma sensação de eteriedade que apenas o que possui uma natureza fantasmagórica ou pertence ao mundo dos sonhos (ou dos pesadelos) tem. E a confusão de Eurico tem este quê de se sonhar ou de ter pesadelos, só que acordado. Já o trabalho de som, por sua vez, amplifica e reverbera todos os barulhos, vozes e sons que uma pessoa no estado do protagonista deve ouvir, ecoando como uma cacofonia psicológica. 

O terceiro e último Kikito do longa-metragem não poderia ir para outra categoria que não a direção de Ruy Guerra. O prolífico maestro brasileiro nascido na África, não somente continua dirigindo, como permanece fiel ao princípio norteador da sua geração: de que o cinema é um campo de experimentação. Todos os seus filmes primam por algum tipo de ousadia e agora não seria diferente. Se boa parte da controvérsia de “Quase Memória” vem deste traço autoral, o mesmo deverá ocorrer com Aos Pedaços. Não esperem que ele seja unanimemente abraçado por espectadores e críticos porque não será. E, sinceramente, Guerra deve preferir assim, uma dúvida atroz é uma conselheira bem mais sábia para a ousadia do que a certeza. 

Desliguem os celulares e boa diversão. 

Bruno Giacobbo
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

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