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Código Preto: Steven Soderbergh reúne elenco estelar em thriller

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Uma vez li uma afirmação, atribuída não lembro a quem, de que o teatro seria a arte do texto, e o cinema/audiovisual, a arte da imagem. Logo, o cinema seria um veículo em busca da forma, ou do conteúdo? Muitas histórias já foram contadas, algumas diferentes vezes; inúmeras adaptações de livros, de peças, de materiais previamente publicados, com as visões de novos autores mudando a perspectiva de cada narrativa. Código Preto, novo filme de Steven Soderbergh (vencedor do Oscar por Traffic), não é a adaptação de nenhuma história antes conhecida, mas nós já vimos esse filme e nem foi apenas uma vez. Tudo bem, porque estamos diante de uma ideia de realização com o qual o espectador precisa se confrontar, e não exatamente com os desdobramentos do roteiro de David Koepp. Nós já vimos esse filme, talvez até do início ao fim, então a linha que interessa aqui passa a ser outra, muito bem explorada em enxutos 90 minutos. 

Soderbergh não é um cineasta que trabalhe pouco, e isso permite com que suas obras possam ser elencadas e analisadas de uma maneira contextualizada. O que está sobre a mesa nunca é o contado, simplesmente, e sim uma das visões sobre a obra. A outra visão advém da intenção de seu autor, que é aqui é reconfigurar a lealdade entre grupos, de maneira ainda mais explícita, conferir os limites da mentira e seu papel social para unir ou desintegrar grupos sociais. Não poderia ter universo mais adequado para tal apresentação, que a de um grupo de amigos que trabalha em uma agência de espionagem britânica, estando momentaneamente à espreita de um espião entre eles. Todos os passos são imaginados, como já dito, o que resta aqui é a forma como tais engendramentos serão apresentados, e no que isso reflete fora dos limites do fantástico. 

As pessoas em cena têm relações extra-campo, para além dos limites do labor. São maridos e mulheres, namorados, amantes, amigos… e acima de tudo, sofrem uns com as desconfianças dos outros, e as muitas formas de poder ser enganado. Como já dito, há uma força inimiga entre eles, mas acima de tudo, tais relações estão expostas ao que elas efetivamente são fora do quadro trabalhista. O que vem à tona são as muitas faces do desejo dos seus integrantes, e isso igualmente abrindo espaço para as vocações de cada um de seus integrantes, por gênero e por personalidade. Aos homens, a insegurança, o machismo, a perseguição; às mulheres, a necessidade de desempenhar além do que esperam, seu preciosismo, sua capacidade de envolver-se emocionalmente, na mesma medida em que determinam também a validade dos eventos. Ou seja, a passionalidade masculina está em justaposição ao pragmatismo feminino, ainda que todos efetivamente possam sofrer.

Código Preto abre com um jantar entre seis personagens, o núcleo protagonista da história. Essas mesmas seis pessoas terão um novo encontro no clímax, onde as relações já terão mudado por completo na narrativa, e alguns detalhes ainda serão revelados em ambas as noites; alguns, desconhecidos. Partindo de uma cena e se encerrando em outra, a natureza dessas relações e os meandros que correm por dentro de cada relação são a raiz do roteiro, e por elas conseguimos compreender do que seu autor está falando, e onde efetivamente a espionagem está colocada. É a tensão entre esse sexteto, e que inclui uma outra cena muito anunciada onde o protagonista é um polígrafo, que se sustenta o que é construído, muito mais do que as regras básicas de um jogo de gato e rato entre espiões. É a dinâmica entre traidores e traídos que importa, e esse é o adendo essencial ao que Soderbergh resolveu filmar, dessa vez. 

A partir dessa abertura (e da sensação de que o filme se passaria inteiramente nessa noite), somos informados também a que tipo de produção Código Preto representa. Com um elenco reduzido, o campo de ação do qual os tipos se ocupam não é restrito, mas a importância de tal jogo cênico – que o personagem de Michael Fassbender gosta de aplicar, vez por outra – é bem mais econômica. Não importa se um carro explodiu em algum lugar da Suíça, mas sim um ingresso de cinema na lata de lixo, que aciona um genuíno sentimento em “super-herois”: o ciúme. A partir da humanidade de cada um deles, é que se desenvolve o real molho do filme, e não de seus poderes. Afinal, o que adianta hackear satélites, provocar a queda de mísseis, matar um semelhante com um veneno letal, se o ponto fraco de tais seres são os mais antigos dos sentimentos, o desejo, o amor, a dúvida?

Assinando as áreas criativas de fotografia e montagem (com o pseudônimo de Mary Ann Bernard), Soderbergh mostra, mais uma vez, como tem controle absoluto pela obra que entrega. Com um tom âmbar em sua luz, principalmente nas cenas do casal protagonista, Código Preto ambiciona aproximar-se de seus personagens através desse olhar difuso por sobre os eventos, de textura envelhecida, para demarcar o quão primordial são os sentimentos em jogo, no traço do início dos tempos. Em cena, um elenco que entende a diversão que é atuar (do inglês ‘play’, atuar ou jogar), se jogando de cabeça em cada uma de suas motivações. Se existe algum destaque, ele precisa ser dado a Tom Burke (de Mank) e a sempre perfeita Cate Blanchett, que nunca esteve mais linda que aqui – e brilhantemente vestida pela veterana Ellen Mirojnick. 

Com os dois pés na diversão, mas sem deixar de mostrar que existe uma vocação em cena para ambicionar mais requinte narrativo, Código Preto é uma rasteira nas expectativas de quem esperava um Missão Impossível classudo, e encontra um estudo sobre as relações amorosas escondido de thriller. Com leveza e sem entrar na caricatura, Soderbergh entrega mais uma peça de cinema disfarçada de blockbuster. O resultado é o máximo em entretenimento escapista, sem tornar a psicologia das coisas maçante. 

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