- Publicidade -

MILTON BITUCA NASCIMENTO, um documentário sobre turnê de despedida de Milton Nascimento

Publicado em:

O futebol brasileiro teve o rei Pelé, entre os homens, e a rainha Marta, entre as mulheres. O basquete, por sua vez, o “mão santa” Oscar e a rainha Hortência. No tênis, Guga e Maria Esther Bueno. Na literatura, o “bruxo do Cosme Velho” Machado de Assis e Clarice Lispector, embora os fãs de Lygia Fagundes Telles possam protestar. Já nas artes cênicas, dificilmente a escolha não recairá sobre os nomes dos atores Paulo Autran e Fernanda Montenegro. Dito isto, eu poderia ficar citando todos os baluartes que tanto enchem ou encheram de orgulho o esporte e a cultura nacional sem chegar aonde mais importa no que diz respeito a esta critica: na música popular brasileira, quais são os dois nomes que pairam acima de todos os outros? O primeiro, penso, é quase uma unanimidade, a pimentinha Elis Regina. O segundo talvez gere debate, mas para a cineasta Flávia Moraes seria Milton Nascimento, o protagonista do documentário Milton Bituca Nascimento

Gravado em 2022, o documentário retrata os bastidores da turnê  batizada de “A Ultima Sessão de Música”, a derradeira incursão de Milton Nascimento pelos palcos do mundo. O tour, finalizado em novembro daquele ano, passou por cinco países: Itália, Inglaterra, Espanha, Portugal e Estados Unidos. Após o seu enceramento, apesar de uma participação especial em um show do Coldplay, em 2023, e do lançamento de um álbum com a jazzista Esperanza Spalding, o músico carioca, homenageado pela Portela no Carnaval de 2025, pôs um ponto final em uma carreira de quase sete décadas, 34 álbuns e cinco indicações ao Grammy Awards, na categoria Melhor Álbum de Música do Mundo. Em um paralelo com o cinema, é como se ele tivesse produzido ou dirigido cinco filmes indicados ao Oscar. O peso do seu legado? Bem, este é atestado pelos depoimentos que a cineasta colheu e mesclou com imagens de arquivo. 

Com narração em off da atriz Fernanda Montenegro, logo de cara, nos primeiros minutos de projeção, somos avisados de que Milton Bituca Nascimento está no mesmo patamar de nomes do jazz como Duke Ellington, Sarah Vaughan e Quincy Jones. E que patamar é esse? O de músicos com título de Phd pela Berklee College of Music, uma das mais importantes escolas de música do mundo. Quem poderia imaginar isso sabendo que, lá atrás, em sua tenra juventude, ele fora reprovado justamente na aula de música no seu colégio? Ninguém. Sem qualquer demérito, muito pelo contrário, com o intuito de ressaltar o dom natural do personagem retratado, um produtor afirma que esse não sabe a diferença entre delay e reverb. Só os gênios fazem as coisas de forma intuitiva e natural, sem precisar saber o porquê delas funcionarem de um jeito ou de outro. 

Os depoimentos seguem e, assim, uma após a outra, várias personalidades, estrangeiras ou nacionais, atestam a genialidade do músico brasileiro para as câmeras de Milton Bituca Nascimento. O cantor Krishna Das e o cineasta Spike Lee são unanimes em afirmar que a barreira linguistica não é um problema. Especialista em música devocional hindu, que tem um cunho totalmente espiritual, o primeiro diz que quando escuta Milton não o faz com os ouvidos, mas com os sentimentos e que esses prescindem da compreensão de todo e qualquer vocábulo estranho. Já o segundo, afirma que conhece pouquíssimas palavras da língua portuguesa, porém, isso não é um impeditivo para também afirmar que aquela é uma das maiores vozes de todos os tempos e que instrumentos não tocam em um idioma  específico. Como repete Fernanda, em algum momento da projeção, com uma voz que parece ecoar do céu, é o som da caverna, o batuque do trem, o cheiro do palco. 

Ainda na batida espiritual, um entrevistado diz que, para ele, a música de Milton equivale a uma experiência espiritual que fortalece e revigora. Em tom de confissão, outro depoente acrescenta que alguém, um dia, lhe avisou que o músico trabalhava com o caos e que isso era, de muitas formas, angustiante sem ser algo ruim, pois Bituca não diz o que quer de você, mas te deixa ser o que você quiser, já que aquilo é o melhor que você pode oferecer nos ensaios, nos palcos ou nas gravações. O supracitado caos faz sentido quando pensamos que algo espiritual remete ao divino, e que antes da criação divina o que reinava no espaço-tempo era o caos absoluto. Acontece que, apesar do caráter espiritual de sua música e do seu imenso talento, Milton Nascimento é e nunca vai deixar de ser um homem, um homem que, segundo a amiga e cantora Simone, sofreu muito com as críticas ao longo de toda sua carreira e nunca reagiu. Forte e frágil, simultaneamente, para ela, o lugar dele sempre foi o da reflexão. 

Um dos tesouros nacionais do Brasil, segundo as palavras do jornal “The New York Times”, reverenciado por jazzistas como Wayne Shorter, que enche a boca para afirmar que assim como só existiu um Miles Davis, nunca existirá outro músico do naipe do personagem de Milton Bituca Nascimento, o modo escolhido pela cineasta Flávia Moraes para retratar seu protagonista é bem mais interessante do que o de outro filme sobre o qual escrevi recentemente. Enquanto “Luiz Melodia – No Coração do Brasil” utiliza apenas imagens de arquivo e gravações, aqui, os diversos depoimentos acrescentam um olhar externo e uma camada de subjetividade que pode ir ou não ao encontro do nosso olhar enquanto espectadores. E talvez, no fim, esses olhares carreguem a mesma impressão relatada por Fernanda lá pelas tantas: Havia dúvidas de como Milton reagiria, show após show, à medida que a turnê se encaminhasse para o seu desfecho. No final das contas, essa preocupação se desfaz por completo, pois a impressão é de que ele termina ainda mais jovem do que quando começou. 

Desliguem os celulares e ótima diversão.

Bruno Giacobbo
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

Mais Notícias

Nossas Redes

2,459FansGostar
216SeguidoresSeguir
125InscritosInscrever
4.310 Seguidores
Seguir
- Publicidade -