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O Bom Professor: Um filme sobre proporções catastróficas

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Alguns assuntos nunca se esgotam e quando transpostos para o cinema ou para a TV, dão margem a várias adaptações, no entanto, por vezes, o resultado de um filme é tão bom que tendemos a acreditar que mais nada precisa ser feito, é como se tivéssemos encontrado a versão perfeita. Com A Caça, longa de 2013, dirigido por Thomas Vinterberg, muitas pessoas podem ter acreditado que aquela era a película definitiva sobre um professor acusado injustamente de assédio por um aluno. Acontece que não existe uma versão perfeita ou definitiva sobre qualquer coisa. Por melhor que seja uma obra, sempre há novas possibilidades a serem exploradas. Novo lançamento da Mares Filmes, distribuidora responsável pela chegada ao Brasil de pérolas como Flow e A Semente do Fruto Sagrado, ambos concorrentes do último Oscar, O Bom Professor, do cineasta Teddy Lussi-Modeste, chega às telonas brasileiras para comprovar a validade da argumentação defendida por este escriba, neste parágrafo inicial. 

Baseado em uma história real, vivida pelo próprio Lussi-Modeste, que além de dirigir assina o roteiro em parceria com a também realizadora Audrey Diwan, a trama conta a história de Julien, interpretado por François Civil, professor de Literatura Francesa, em uma escola pública de Paris. De inicio, temos poucas informações sobre ele. Em sua primeira cena, o vemos em sala de aula corrigindo um estudante que declama um poema. A algazarra toma conta de todo o ambiente à medida que o garoto se atrapalha e, posteriormente, quando o mestre solicita, um a um, que os demais alunos expressem suas respectivas opiniões em relação ao texto declamado. Tudo corre bem até que, para explicar o significado de asteísmo – uso sutil de crítica irônica para disfarçar um elogio -, Julien menciona o penteado de uma aluna. Esta é a senha para um mal entendido de proporções catastróficas. 

Omitir qualquer informação prévia sobre o professor e os alunos, jogando assim os espectadores direto no cerne da cena que coloca o drama em movimento, foi um artifício inteligente por parte dos roteiristas. Esta estratégia impede que façamos pré-julgamentos e permite que a nossa opinião, enquanto testemunhas, seja formada no decorrer do filme, quando, enfim, vamos tomando conhecimento de alguns fatos antecedentes. Assim, ignorar os trailers, teasers e tentar evitar eventuais textos que tragam muitas informações talvez seja uma decisão sábia. O ideal é ver O Bom Professor sabendo o menos possível sobre esta história de somente 90 minutos, que passam mais rápidos do que uma partida entre Paris Saint Germain e Saint-Étienne, pela final da Copa da França, já que tudo é, verdadeiramente, bastante eletrizante e tenso. 

No comando de seu terceiro longa-metragem, Lussi-Modeste, francês de ascendência cigana, demonstra desenvoltura e entrega uma direção segura, própria de quem tinha ideias bem claras sobre a realização de determinadas cenas e de como colocá-las em prática. Há uma tomada, por exemplo, de tirar o fôlego, em que Julien sai de uma sala e avança pelo corredor com passos firmes, apesar de estar visivelmente abalado. Essa cena começa escura e, quanto mais ele segue em frente, a imagem passa a clarear. A sua volta, os alunos estão rindo, dele, claro, mas não ouvimos vozes. O som, um ruído abafado, para falar a verdade, preenche o ambiente ao seu redor e também no compasso dos seus passos vai se tornando ensurdecedor. Existem, ainda, outras cenas semelhantes e poderosas, quase todas fazendo uso de um impressionante jogo de luzes e sombras, arquitetado em conjunto com o experiente diretor de fotografia Hichame Alaouié. 

A julgar pela qualidade das interpretações, é possível dizer que Lussi-Modeste se mostra, pelo menos nesta obra, um competente diretor de atores. Não estou escrevendo isso por causa do protagonista, François Civil, que, com apenas 35 anos, tem no seu currículo mais de cinquenta produções. Escrevo isto devido ao desempenho de todo o elenco juvenil com tempo de cena e fala para chamar atenção se destacando. Bakary Kebe, interprete de Modibo, o adolescente que declama o poema na primeira tomada, Mallory Wanecque, que dá vida à provocadora Océane, Marianne Ehouman, no papel de Roxana, e Toscane Duquesne, que interpreta Leslie, a jovem que acusa o professor de assédio, mesmo essa sendo uma personagem introspectiva e difícil, sem exceção alguma, estão todos muito bem. Particularmente, só a título de registro, gosto bastante das cenas em conjunto, na sala de aula. Para mim, são as melhores. 

Voltando ao célebre (e ótimo) A Caça, que perdeu o Oscar de melhor filme internacional para o não menos excelente A Grande Beleza, penso que O Bom Professor carrega uma vantagem que é da natureza de onde ocorre a trama. Da Dinamarca para a França, a segunda vive uma permanente tensão social e étnica em função do enorme número de imigrantes (e de seus descendentes) que integram a população francesa. Se olharmos para o corpo discente e para os docentes da escola em que Julien leciona; e se pensarmos ainda no próprio Teddy Lussi-Modeste, que viveu o episódio real, temos um exemplo prático deste caldeirão étnico. Logo, nesta situação específica, contar esta história não é transpor para as telonas apenas o caso de uma acusação de assédio, mas todo um barril de pólvora prestes a explodir e que acrescenta outras tantas camadas ao filme. 

Desliguem os celulares e excelente diversão. 

Bruno Giacobbo
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

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