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The Alto Knights: Máfia e Poder narra os alicerces do submundo do crime, nos EUA

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Para que mais um longa-metragem sobre tal assunto? Ouvi essa indagação de um grande amigo, crítico de cinema também, com quem sempre estou em contato discutindo os filmes que assistimos e sobre os quais iremos escrever. A conversa sobre O Brutalista, que tivemos em uma sexta à noite fumegante de verão, enquanto eu fumava um charuto, me ajudou, por exemplo, a assentar algumas ideias antes de redigir a crítica para este site. Já a pergunta que abre este parágrafo foi formulada um dia antes de eu ver The Alto Knights – Mafia e Poder, de Barry Levinson, na cabine de imprensa do Rio de Janeiro. Ele estava com o filme fresco, na mente, porque acabara de assisti-lo em São Paulo e não é que não tivesse gostado do que viu, meu amigo apenas estava trazendo uma dúvida pertinente: as películas de gângsters, um dos subgêneros que definiram a velha Hollywood, ainda tem o fôlego de outrora? 

The Alto Knights - Mafia e Poder

Com o roteiro de Nicholas Pileggi, um dos principais biógrafos e especialistas sobre a máfia Italo-americana, o filme narra a história de uma disputa de poder que abalou os alicerces do submundo do crime, nos Estados Unidos, em 1958. Os contendentes, Frank Costello e Vito Genovese, ambos vividos por Robert De Niro, eram membros da mesma organização mafiosa, a Família Luciano, e estavam entre os gângsters mais poderosos da época. No entanto, como tantos outros casos reais, vide Charles “Lucky” Luciano e Benjamim “Bugsy” Siegel, antes de virarem inimigos, eles cresceram nas mesmas ruas de Nova Iorque, foram irmãos, cúmplices e sócios. Um dia, a vida e decisões de cunho pessoal os colocaram em lados opostos da trincheira e o resto é história. Também como em outras situações, nem sempre o mais feroz, bruto ou forte venceu, muitas vezes, a inteligência e a diplomacia levam a melhor. 

Levinson e Pileggi optaram por uma narrativa que lembra muito a da obra-prima “Os Bons Companheiros”, de Martin Scorsese, que em 1990, ano de seu lançamento, impactou os fãs deste subgênero como nenhum outro longa desde o aparecimento de “O Poderoso Chefão”, de Francis Ford Coppola, em 1972. A semelhança reside na utilização de um narrador onisciente, no presente caso, Frank Costello. De mesma forma que Henry Hill, no clássico da década de 90, a sua onisciência deriva do fato de já ter vivido tudo aquilo e de estar narrando a trama como quem dita um livro de memórias para o seu biógrafo (o próprio Pileggi?). Para tornar tudo ainda mais semelhante, The Alto Knights – Máfia e Poder também começa com uma cena de bastante impacto, capaz de aguçar a curiosidade do público, fazendo com que esse queira saber o que aconteceu antes daquele momento tenso e, aparentemente, sem chance de retorno para um estado de normalidade. 

A emulação ou a inspiração em um clássico, visto e revisto, pode servir de argumento para quem questiona se determinados filmes, de tão parecidos com várias outras coisas que vimos anteriormente, valem ser feitos. De novo, entendo que esta seja uma dúvida bem razoável, mas penso que personagens fortes sempre merecem ter suas histórias contadas. Vito Genovese já tinha uma película para chamar de sua: “O Segredo da Cosa Nostra”, de 1972, com direção de Terence Young, em que ele é vivido pelo ator italiano Lino Ventura. Frank Costello, salvo um engano deste crítico, não tinha. Mais do que isso. Até hoje, nenhum filme tinha sido realizado centrado na briga entre estes dois homens, uma contenda que descambou na Conferência de Apalachin – um encontro nacional de mafiosos – que terminou com a prisão de muitos gângsters, abalando assim, como escrevi mais acima, os alicerces do submundo norte-americano. Nenhum outro cineasta tinha filmado ou mostrado deste jeito e aí o problema, para algumas pessoas, talvez resida no estilo de Levinson. 

Ganhador do Oscar de Melhor Direção e de Melhor Filme, entre outros prêmios, por Rain Man, de 1988, Barry Levinson é um herdeiro da velha Hollywood. Um cineasta à moda antiga, daqueles que quase não tem espaço na indústria moderna e que, além de tudo, não lançava um novo longa-metragem há dez anos. Sua última produção havido sido “Rock the Kabash”, com Bill Murray, em 2015. Em uma época que os espectadores parecem cada vez mais sedentos por novidades, ele entrega um trabalho de direção que pode ser rotulado de conservador ou de tradicional. E nada disso é refutável ou questionável, pois é o estilo de alguém que está com 82 anos e talvez não saiba fazer de outra maneira, mas que nem por isto é ruim. Muito pelo contrário, Levinson, mesmo correndo o risco de parecer datado, fez de The Alto Knights – Máfia e Poder um filme que, de muitos modos, se parece com uma daquelas obras clássicas de gângster. Neste sentido, sua parceria com o diretor de fotografia italiano Dante Spinotti, outro remanescente da escola antiga, foi de extrema importância. 

Escalar um único intérprete para dois papéis diferentes quando os personagens não são gêmeos idênticos, talvez seja o lance de maior ousadia do diretor. Escalar Robert De Niro foi, por sua vez, um lance de gênio mesmo. Não apenas porque trata-se de um dos maiores atores de todos os tempos ou de alguém comumente associado a este tipo de filme, mas porque os papéis, no caso, exigiam uma boa dose de metamorfose. Frank Costello e Vito Genovese eram homens bem diferentes. O primeiro, mais alto e corpulento. O segundo, baixo e atarracado. De Niro consegue parecer maior na pele de um e menor da pele do outro com uma simples mudança de postura. E tem ainda a questão vocal. O timbre da voz, a entonação das palavras, tudo era bem distinto e o velho intérprete transita de um corpo para o outro com enorme desenvoltura. Em uma das melhores cenas de toda a produção, estas diferenças ficam claras: Costello depõe em uma comissão parlamentar de inquérito do Senado dos Estados Unidos. Em um bar, Genovese assiste ao depoimento e resmunga. Todas as falas e as reações são mostradas de forma alternada, em um belo trabalho de montagem do editor Douglas Crise, que também brilha em uma tomada em que são mesclados trechos de “Fúria Sanguinária”, de 1949, com trechos de um assassinato cometido por Genovese e um comparsa. 

Concebido e produzido, originalmente, para disputar o Oscar com pretensões de vitória, The Alto Knights – Máfia e Poder vinha sendo adiado há pelo menos dois anos, até que, agora, finalmente ele fez o seu grande debut. Em algum momento, lá atrás ou ao longo desta caminhada, o estúdio deve ter chegado ao entendimento de que a obra de Barry Levinson não estava de acordo com os anseios e os gostos atuais do público, talvez, como eu escrevi anteriormente, tenha julgado-a datada, o que considero uma lástima. Não é o melhor filme sobre a máfia já feito, porém funciona perfeitamente bem como um tributo aos clássicos deste subgênero tão caro à velha Hollywood, com suas referências, a atuação inspirada do seu protagonista e um punhado de cenas memoráveis e inclusive divertidas. Vocês que estão me lendo, neste exato instante, podem até se perguntar, do mesmo jeito que o meu amigo fez, se este tipo de película ainda tem fôlego. Do lado de cá, eu vou sempre reafirmar: enquanto houver boas histórias para serem contadas, não tenho a menor dúvida de que não faltará fôlego. 

Desliguem os celulares e excelente diversão. 

Bruno Giacobbo
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

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