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 Baixo Centro é um filme político por excelência

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Ano passado, uma discussão entre críticos de cinema onde estive presente levantou uma questão na roda. Em tempos modernos, e após a pandemia, como analisar um filme que pode demorar tanto tempo para estrear de maneira, digamos, convencional? Durante a discussão, deixei claro minha maneira de pensar, que enxerga o cinema brasileiro com as complexidades com as quais ele apresenta diariamente; um filme visto pela primeira vez há sete anos atrás, mas que só encontrou espaço no circuito agora, merece ser sacrificado do debate? Baixo Centro, de Ewerton Belico e Samuel Marotta, finalmente estreou após vencer a Mostra Tiradentes de 2018. A verdade é que, de muitas formas, os anos fizeram bem a obra, que amadureceu junto com seu tempo. 

Aquela edição de Tiradentes não trouxe concorrentes impressionantes (salvo por Lembro Mais dos Corvos, de Gustavo Vinagre), mas o longa mineiro vencedor deixou uma marca estética naquele telão. Sua vitória não foi à toa, e sua estreia agora é carregada de um significado extra fílmico que precisa ser comentado – para além do que sim ele tem de cinema. Filmado dois anos antes de seu lançamento, Baixo Centro é um filme carregado de medo em suas entrelinhas, e essa sensação é aos poucos disseminada na narrativa, percorrendo os espaços estéticos que dão textura ao que vemos. O cenário era um em 2016, ainda mais apavorante em 2018, e em 2025 o quadro parece menos agudo, mas efetivamente ainda vivemos seus ecos, mesmo que o cenário não pareça tão pesado. 

Existem muitas portas que o filme pretende abrir, e todas elas montam um mosaico que complexifica essa produção, que foi vista como fria e distanciada, mas que se mostra muito mais urgente a cada nova observação. É um filme de terror urbano com uma ideia que me remete a uma tradição setentista do gênero, que traduz uma espécie de perseguição e medo gerado pelo desconhecido das ruas das grandes metrópoles, como nos filmes perigosos de Charles Bronson. Baixo Centro consegue nos levar para um caminho inseguro por ruas que parecem cada vez menos propensas ao afeto, e ao encontro. Quando eles efetivamente acontecem, soa como um delírio idílico que rasga as imagens que faziam seus personagens temerem por algo desconhecido. 

Ao mesmo tempo em que procura diagramar uma espécie de energia pulsante nas grandes metrópoles, especificamente nos grandes centros urbanos, Baixo Centro é um filme que pulsa Minas Gerais em sua solidão noturna. E também é um olhar sociológico a respeito de um tempo, que pode não ter passado tanto assim como gostaríamos de acreditar e celebrar. Nada é inorgânico no filme; tudo isso comenta a interconexão de seus temas, e consegue avançar diante de sua narrativa. Que estejamos diante de um olhar difuso sobre as coisas, sem certezas narrativas ou cinematográficas pré-estabelecidas, que estejamos diante de um quadro que não se pretende cercear as ideias, essa parece ser a intenção. Devidamente alcançada.

O cinema de decisões rápidas não suporta a vontade para com o olhar coletivo que o norte estabelecido por Belico e Marotta comporta. Baixo Centro é um bicho que não se pretende deixar domar por ordens estéticas ou valores tradicionalistas de produção. E é justamente por isso que, mesmo sete anos depois de ter assistido pela primeira vez, a estreia do filme ainda consegue ser premente, ainda parecer algo novo a abraçar o circuito, e ainda consistir liberdade dentro do campo que conhecemos, em média. É um filme político por excelência, mas não é uma política de absorção direta de suas causas e efeitos, mas uma capaz de promover corpos e ideias dissidentes, enquanto denuncia em sua margem um estado de espírito dominante entre os seres que ousam ir no fluxo das ideias e dos desejos. 

Alguns nomes muito conhecidos do cinema, como os de Bárbara Colen e de Renan Rovida, se misturam a outros menos comuns, como os de Marcelo Souza e Silva, Alexandre de Sena e Cris Moreira. Ainda assim, são pessoas que conseguem se comunicar de maneira livre com os espaços filmados, e que criam momentos de beleza absurda, dentro de seus contextos de extração. O diálogo entre Colen e Rovida, ou o primeiro encontro entre Djamba e Teresa, mas acima de tudo, aqueles momentos do ponto de ônibus – que não entendemos como tal, até que o carro apareça. Eles exalam essa gama de sentimentos conflitantes, mas todos muito humanos por trás da experiência Baixo Centro: um filme indomável, com tanta vontade de comunicar medos e sonhos das grandes cidades, e que nem sempre alcançam a comunicação plena. Esse é o preço a se pagar pelo desejo do mesmo.

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