- Publicidade -

Homem com H: Esmir Filho expõe biografia de Ney Matogrosso, com um recorte questionador

Publicado em:

Uma criança se aventura pela floresta, que parece adensar até engoli-la – ou seria ela um chamado ancestral para um novo ser, sendo gestado de maneira híbrida: meio homem, meio bicho, meio flora, totalmente selvagem. A abertura de Homem com H é uma forma de seu cineasta Esmir Filho nos olhar e dizer: “vocês vieram até aqui para assistir uma biografia né?, pois aguarde; esse filme é meu”. Não se trata de uma apresentação vazia para nos enganar logo em seguida; ao contrário do que podíamos imaginar ou do que o gênero nos acostumou, é melhor preparar-se para uma ligeira saída dos padrões. Se como convém ao formato o filme precisa bater ponto em certas necessidades, elas parecem estar em cena para possibilitar a gradual natureza de seu cineasta, inquieto e questionador como seu objeto de leitura. 

Homem com H

O título já diz que a figura em questão é Ney Matogrosso, um dos grandes artistas de todos os tempos da música brasileira. Além da beleza do intérprete ainda estar em plena forma física, na ativa e ainda manter suas características essenciais enquanto de contestador aos 83 anos, a proximidade dele ao projeto como uma espécie de consultor liberta a produção de certas necessidades narrativas, e de questões menos prosaicas de arranjo de roteiro. A própria natureza de Ney não permitiria um olhar para sua vida e obra que não representasse os valores que ele ainda defende e honra. Na tela, caminham em paralelo as obrigações desse recorte a uma vontade de responder apenas ao que é arte, ao que é essência e furor. 

Filho tem uma carreira de vinte anos, mas Homem com H é apenas seu quarto longa metragem. Logo em sua estreia, com Os Famosos e os Duendes da Morte, o diretor ganhou o Festival do Rio. Aqui, ele parece introduzir uma atmosfera de sonho a sua obra que já estava na estreia, criando a raiz de voz autoral dentro de uma produção de larga comunicação. O resultado é uma tentativa de integração de públicos que eu entendo como bem sucedida, no sentido de que são universos que o autor conseguiu aproximar. Graças às inspirações do artista, Filho aproxima-se de uma selvageria visual que não é o que se imagina de um título de pretensões populares. 

Contribuem para essa atmosfera que passeia entre camadas de sonho tanto a fotografia de Azul Serra (de Aos Teus Olhos) quanto a direção de arte de Thales Junqueira (de Bacurau Aquarius), dois dos melhores em suas áreas hoje. Eles não apenas reproduzem com fidelidade momentos de um passado documentado, criando texturas de imagens condizentes com o período e um aspecto reconhecível ao que está em cena, como eles conduzem essa jornada de descobertas de Ney ao longo de três décadas, conjurando realismo e fantasia de maneira profunda. Existe tanto a sensação de ser arremessado para um outro tempo-espaço perdido no calendário, como também a certeza de descobertas profundas na cadência entre luzes e cores. 

Aliás, existe a certeza de estarmos diante do que conseguimos acompanhar, que é a auto descoberta de um artista fora do comum, sua ascensão e suas posteriores quedas emocionais. Acompanhando em paralelo, a construção emocional de um homem que assistiu de perto o horror da violência desde cedo, e com isso criou as próprias armas de defesa. Homem com H, certamente, tem a inteligência de não se conformar com as amarras de uma biografia tradicional, além de ambicionar o voo de seu personagem através da sua liberdade artística.

Além disso, consegue compor um quadro de beleza inequívoca a partir de um homem que fez da própria imagem uma bandeira e uma máscara. Conseguir capturar as rédeas de uma biografia e transformá-la em material autoral é uma prova de que Filho ainda não mostrou todos os predicados que lapida ao longo da carreira. 

Com um elenco irrepreensível e em excelência, que incluem as presenças brilhantes de Rômulo Braga e Hermila Guedes, o filme não funcionaria se seu protagonista não fosse uma extensão daquele corpo e daquela gênese. Jesuíta Barbosa nos desnorteia há muitos anos, tendo já participado de momentos antológicos em Praia do Futuro Tatuagem. Sua encarnação de Ney Matogrosso não apenas é um retrato de sobrevivência dentro do risco, como uma carta de amor ao seu personagem, tamanho é a entrega, dedicação e finesse com que compõe o que vemos. Diante de uma performance sem amarras como essa, Jesuíta Barbosa nos convida a adentrar a sua sabedoria cênica em cada momento do longa, é um mergulho de verdade dentro da história de Ney Matogrosso. Homem com H é um bálsamo que tanto Filho quanto Barbosa fazem juntos ao prestar uma homenagem pulsante por ser tão genuína enquanto peça cinematográfica, sem jamais tentar domar a incandescência de um homem sem par. 

Mais Notícias

Nossas Redes

2,459FansGostar
216SeguidoresSeguir
125InscritosInscrever
4.310 Seguidores
Seguir
- Publicidade -