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Chinatown: Um Mistério de 1900 – Um Sherlock Holmes contemporâneo

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Que a verdade seja dita: as pessoas gostam de um bom mistério. A impressão que eu tenho é que histórias sobre crimes tem o poder de fazer qualquer um esquecer da realidade. Tanto é que os romances de autores como Sir Arthur Conan Doyle e Agatha Christie, ou, bem mais recentemente, John Grisham e Joel Dick, sempre fizeram sucesso. Indo para o cinema, na década de 40, em Hollywood, tivemos o fenômeno dos filmes noir, obras povoadas de investigadores enigmáticos e mulheres fatais. Já nos últimos anos, mais ou menos, de 2019 para cá, os produtores perceberam que vale a pena readaptar os livros de Agatha Christie e assim surgiram produções como “Assassinato no Expresso do Oriente”, “Morte no Nilo” e “A Noite das Bruxas”, ou criar novas histórias como a franquia “Entre Facas e Segredos” e “Glass Onion: Um Mistério Knives Out”, que, muito em breve, ganhará um novo capítulo. Só que não se produz cinema apenas nos Estados Unidos, lugares como Índia e China também têm indústrias pujantes, e é da segunda que vem o divertido e instigante Detetive Chinatown: Um Mistério de 1900, dos realizadores chineses Chen Sicheng e Dai Mo. 

Situado dentro de uma quadrilogia informal, pois, apesar dos filmes contarem com os mesmos atores principais, o enredo deste quarto capítulo não tem nada a ver com as histórias dos três primeiros, Detetive Chinatown: Um Mistério de 1900 começa em dois lugares diferentes, com duas tramas paralelas que, em algum momento, irão se encontrar em uma única narrativa. No ano de 1900, o militar Fei Yanggu (Yue Yunpeng), um oficial da corte da Imperatriz viúva Cixi, junto com dois soldados, é enviado para a cidade de San Francisco, onde deve prender os revolucionários Zheng Shiliang (Bai Ke) e Bai Zhenbang (Zhang Xincheng). Longe dali, em um navio que também se dirige para os Estados Unidos, Qin Fu (Liu Haoran) um jovem médico chinês com habilidades dedutivas e bom raciocínio, soluciona um crime ocorrido em alto-mar, sob a orientação do famoso Sherlock Holmes (Andrew Charles Stokes). Uma vez em San Francisco, eles encontrarão uma cidade de pernas para o ar devido a dois assassinatos brutais cometidos nos últimos dias. As vítimas são Alícia Jones (Anastasia Shestakova), filha do senador Grant Jones (John Cusack), e o chefe indígena Seis Mãos. 

Esta história de mistério, que juntará Qin Fu a Ah Gui (Wang Baoqiang), um chinês que, depois de ficar órfão, foi adotado pelo falecido chefe Seis Mãos, na caça ao assassino, tem alguns panos de fundo históricos. O primeiro é a identidade do criminoso. Devido ao método e a forma, a imprensa local começa a teorizar que o lendário Jack, o Estripador, célebre por uma série de crimes em Londres, no final do Século XIX, se mudou para San Francisco. O segundo é a “Revolta dos Boxers”, um levante anti-imperialista, de origem popular, contra a Dinastia Qing, ocorrido entre os anos 1889 e 1901. Já o terceiro é a perseguição contra a população chinesa, de Chinatown, no estado da Califórnia, entre outras razões, por simples preconceito, mas também pelo fato dos norte-americanos responsabilizarem os chineses pela propagação da peste negra, visto que o primeiro caso diagnosticado foi o de um trabalhador chinês. Mesclando todos estes acontecimentos reais, o mínimo que eu posso escrever sobre o roteiro escrito pelo diretor Chen Sicheng, é que ele é bastante inventivo. E isso é um bom elogio, claro. 

Quanto à pegada da história, é preciso fazer um alerta. Vocês estão cansados de saber que nem toda trama de investigação criminal e de mistério é tensa ou desenvolvida com sisudez. Algumas, naturalmente, são leves e um pouco mais descontraídas, com um leve toque de humor. E esse é exatamente o caso de Detetive Chinatown: Um Mistério de 1900. O longa-metragem pode ser, tranquilamente, categorizado como uma comédia policial. Sem se descuidar da solução do crime, que, no final, é bem explicada, há um investimento pesado no desenvolvimento das respectivas personalidades de Qin Fu e Ah Gui para o viés cômico. Esse investimento é tão intenso que, em alguns momentos do filme, eu cheguei a duvidar dos talentos do jovem médico. Nestes instantes, só conseguia pensar no romance “O Xangô de Baker Street”, escrito por Jô Soares, que virou filme pelas mãos de Miguel Faria Jr. em 2001. Neste clássico contemporâneo, Sherlock Holmes, vivido pelo ótimo Joaquim de Almeida, é incapaz de encontrar uma moeda que acabou de cair no chão, imagine solucionar um caso policial. Mas não. Em que pese a verve cômica da obra, o protagonista e o seu parceiro conseguem, sim, desempenhar os seus trabalhos. E aí vale destacar as boas atuações de Liu Haoran e de Wang Baoqiang. 

Detetive Chinatown: Um Mistério de 1900, por uma destas coincidências da vida, está sendo lançado com um timing perfeito. No momento em que o governo de Donald Trump procura colocar em prática sua política de deportação de imigrantes, um filme que mostra com um viés totalmente crítico que não é a primeira vez que isso ocorre, soa como um bálsamo. A arte tem esta função e, na maior parte das vezes, cumpre-a muito bem: servir como elemento de conscientização e de reflexão em relação a problemas macros, graças ao seu caráter lúdico. Desta forma, mesmo obras tidas como despretensiosas, desprovidas de seriedade, como algumas comédias, podem ser muito poderosas na hora de passar sua mensagem, e quando essa vem atrelada a todo um arcabouço técnico de qualidade, ainda melhor. E esse, felizmente, é o caso do longa-metragem de Chen Sicheng e Dai Mo com a sua bela reconstituição de época e figurinos impecáveis. 

Desliguem os celulares e ótima diversão. 

Bruno Giacobbo
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

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