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O Combinado Não Sai Caro ousa ao revisitar as pornochanchadas e acerta

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Alguns filmes são produzidos e levam muito tempo para entrar em cartaz. Não sei como funciona em outros países, mas esse é um problema do mercado brasileiro que, se por um lado vê cada vez mais sua produção cinematográfica aumentar, por outro, continua com um número bastante restrito de salas de projeção. As chamadas comédias populares, polvilhadas de nomes midiáticos como, por exemplo, Leandro Hassum, e dirigidas por realizadores como Roberto Santucci, entre outros, não costumam ter este tipo de problema e logo encontram vaga no exíguo mercado nacional. No entanto, às vezes, acontece, tanto é que outro dia fui assistir ao longa O Combinado Não Sai Caro, que, pela sinopse, sem dúvida alguma se encaixava neste grupo, mas que foi filmado em 2023 e, só agora, fará sua estreia. Tudo bem, o seu diretor é Luiz Pinheiro e o casal principal, Lara Tremouroux e Felipe Frazão, não possui tanto apelo popular assim. De qualquer maneira, minha desconfiança dizia que havia alguma coisa de diferente nessa história. 

O Combinado Não Sai Caro

Na trama de O Combinado Não Sai Caro, Maia e Caetano, interpretados por Tremouroux e Frazão, respectivamente, são namorados, vivem juntos e estão prestes a assinar um contrato de união estável para que possam compartilhar um plano de saúde. Aparentemente, este será um passo e tanto. Uma noite, após uma bebedeira daquelas, brincando de “verdade ou consequência” com um grupo de amigos, ela, provocada pelos participantes, diz que, pelo menos uma vez, gostaria de transar com outro homem com o consentimento do namorado. E diz com quem: o ator Timothée Chalamet. Ele faz uma cara, se surpreende, mas igualmente instigado pelos outros, também arrisca um nome famoso: a atriz Ada Lux, papel de Juliana Didone. Nomes em tese distantes da realidade de ambos. O compromisso da assinatura está marcado para dois dias depois, porém, antes, eles tem o aniversário de casamento do pai e da madrasta dela, Emílio de Mello e Bárbara Paz. E, nesse evento, o impensável ocorrerá. 

Excetuando a cena do porre, na casa dos protagonistas, e a tomada de uma caminhada noturna por um viaduto paulistano, o longa-metragem foi todo rodado dentro de um casarão: a luxuosa residência da família de Maia. E aí se o que vem à cabeça de vocês é uma vibe quatrocentona tradicional, típica de São Paulo, ledo engano. A decoração é para lá de cafona. Ivone, a madrastra, é uma socialite brega e antenada com os seus milhares de seguidores nas redes sociais; já o pai, apesar de ser o verdadeiro rico desta história, um homem submisso à esposa e que, como veremos posteriormente, guarda um segredo. Além disso, entre os convidados, uma fauna nada convencional, estão yuppies, artistas, hippies, malucos e, claro, como era de se imaginar pelo andamento da trama de O Combinado Não Sai Caro, Ada Lux. Todavia, não tão previsível assim, é a presença de um dublê de DJ e músico, vivido por Bernardo Guimarães, que mais se parece com um sósia da Shopee do Timothée Chalamet. 

Uma vez reunido os personagens principais em um único lugar, todos regados a muito álcool e outras substâncias, o que temos, inicialmente, são situações típicas das tais comédias populares. Acertos e desacertos que acabam gerando mal entendidos, piadas para todos os gostos e que com isso dividirão os espectadores, entre outras coisas. Ou seja, mais do mesmo. No entanto, não estava nos planos de Luiz Pinheiro parar por aí e visar somente o público acostumado com as obras de Santucci e afins. Correndo o risco de pesar a mão (e errar), o cineasta foi além e mirou nas saudosas comédias de cunho sexual da década de 70, chamadas de forma jocosa de pornochanchadas, que eram feitas, entre outros gêneros cinematográficos, na não menos nostálgica “Boca do Lixo”, em São Paulo. O risco consistia na classificação a ser atribuída pela censura – com abundantes pares de seios e cenas explícitas de sexo, não vejo como liberar o longa-metragem para menores de 18 anos – e no jeito como a plateia contemporânea, um tanto quanto pudica e politicamente correta, iria encarar o que, para mim, é um ousado e retumbante acerto. 

Esta divertida pornochanchada moderna largou na frente, antes mesmo de qualquer coisa, ao escalar como protagonistas um casal de verdade. Entre idas e vindas, Lara Tremouroux e Felipe Frazão, com atesta uma postagem dela na internet, estão juntos há mais de quatro anos. Não é necessário ser nenhum gênio para saber que a intimidade do dia a dia se traduziu, automaticamente, em intimidade cênica, em um claro caso onde a arte imita a vida. Coadjuvando a dupla, uma multifacetada Bárbara Paz, já que transita com igual desenvoltura pelas funções de produtora, diretora e atriz, encontrou o tom certo para o papel de madrasta má que talvez não seja tão má assim. Quem assistiu “Gata Velha Ainda Mia”, de 2013, sabe o luxo que é ter a intérprete em um posto chave da trama. O problema, apenas, é que poucas pessoas viram a obra de Rafael Primot e eu desconfio que poucas verão a de Luiz Pinheiro. Emílio de Mello, Juliana Didone e Isabela Mariotto, essa na pele da melhor amiga de Maia, também estão bem, mas, entre eles, quem se destaca mais é Mello, principalmente, nos 15 ou 20 minutos finais, quando ele revela um segredo familiar guardado a sete chaves. 

O Combinado Não Sai Caro conta com uma direção bastante ágil e segura por parte do cineasta Luiz Pinheiro, de quem, para ser bem sincero, até hoje eu não tinha assistido nada. Sua decisão de ousar, abandonar o lugar comum das comédias populares e a coragem em revisitar um subgênero do cinema nacional que sempre se digladiou com o preconceito por ser considerado raso, ao passo que na maioria das vezes não era, me fazem querer ver outros trabalhos seus. Esta coragem está presente ainda no modo de abordar e discutir temas variados como a opção por relações não monogâmicas nos tempos atuais, a responsabilidade afetiva em meio ao conflito confiança versus ciúmes, o sucesso pautado pela aceitação popular via likes em redes sociais e até mesmo, ainda que timidamente, identidade de gênero. Parece muito assunto para um filme que tem pouco menos de duas horas, mas não é. E o melhor: tudo é tratado com naturalidade, leveza e, principalmente, respeito na medida certa. 

Desliguem os celulares e excelente diversão. 

Bruno Giacobbo
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

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