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O Grande Golpe do Leste, uma comédia policial com pano de fundo político, baseado em fatos reais

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A primeira coisa que pensei, quando comecei a assistir O Grande Golpe do Leste, da diretora alemã Natja Brunckhorst foi: “Mais um filme sobre desemprego, o meu carma está forte”. E não havia como pensar o contrário, uma vez que na cena o inicial enxergamos Maren (Sandra Hüller) e Janette (Kathrin Wehlisch) conversando, em uma fila, sobre vagas de trabalho. No entanto, o plot dessa história, apesar de passar, sim, pela questão da falta de emprego e pelas loucuras que alguém pode fazer quando está enfrentando esse problema, é muito mais complexo. Esta mistura azeitada de comédia romântica, drama social e enredo policial, baseada em inacreditáveis fatos reais, deve, na verdade, ser encarada como uma trama sobre vingança, ou melhor, como a tão sonhada revanche do proletariado contra o establishment que o explorou por anos sem que a maioria das pessoas sequer tivesse a mínima consciência dos abusos sofridos. 

O Grande Golpe do Leste

Na história, Maren é casada com Robert (Max Riemelt). Se ela já está desempregada, ele está prestes a perder o seu trabalho como operário em uma fábrica da antiga Alemanha Oriental. Antiga, porque, na realidade, o Muro de Berlim caiu há poucos meses e eles estão passando pelo processo de reunificação com a Alemanha Ocidental que levará à criação de um Estado único.

Em um radinho de pilha escutamos, lá pelas tantas, o nome de Pierre Littbarski. O novo país, futebolisticamente, já está unido e jogando a Copa do Mundo de 1990. Enquanto isso, no quintal de casa, eles participam com os vizinhos de uma pequena celebração sem nenhuma razão aparente. Somado a isso tudo, o retorno de Volker (Ronald Zerhfeld), um amigo de infância do casal que havia ido morar na Hungria para fugir da recessão, vai movimentar ainda mais o ambiente.

A vingança ou a revanche, como preferirem, vai dar as caras na trama de O Grande Golpe do Leste com a entrada em cena de um outro personagem: Markowski (Peter Kurth), tio de Robert. Apesar do clima de leveza, a recessão se faz presente, o desemprego está em alta e há também uma sensação de frustração. Eles passaram a vida toda crendo nas promessas do socialismo e no triunfo do modo de vido da Alemanha Oriental, para, no fim, passarem por um processo de reunificação ditado pelas regras e parâmetros do capitalismo, ou seja, da Alemanha Ocidental. Um dia, com a ajuda de Markowski, Maren, Robert e Volker entram em um conjunto de galerias de um velho bunker, onde brincavam quando criança, e encontram milhares de notas abandonadas da antiga moeda local, todas esperando que o tempo e a umidade destrua tudo. Assim, apenas por divertimento, eles decidem levar uma bolada para casa. E é aí que a sorte decidirá sorrir, com gosto, para este grupo de amigos, seus familiares e vizinhos.  

O golpe que justifica o título do filme em português, O Grande Golpe do Leste, começa a ser urdido depois, pois no momento em que decidiram levar as notas só de brincadeira, eles não tinham ideia de que esse era possível. O prazo para a troca da antiga moeda local pelo dinheiro da nova Alemanha ainda não se encerrou. Acontece que há um limite por pessoa, de acordo com a renda mensal, e, além disso, quem já realizou a troca não pode trocar de novo. Desta forma, eles decidem envolver todos os seus familiares e vizinhos. Se cada um trocar um pouquinho, no final, eles terão uma fortuna que poderá ser dívida entre todos seguindo uma velha máxima socialista: “Se o povo é o Estado e tudo pertence ao Estado, tudo pertence ao povo”. E os amigos não pararão por aí, com o tempo, maquinarão outras maneiras possíveis de trocar o dinheiro e se vingar do Estado por toda a frustração. 

Em paralelo à trama de vingança e revanche, o roteiro assinado pela própria cineasta Natja Brunckhorst, investe em pequenas subtramas que poderiam parecer perdidas, sem qualquer conexão com o todo, mas que não, na real, complementam muito bem. Uma delas é a relação envolvendo Maren, Robert e Volker. Desde o início, fica claro que os dois amigos sempre gostaram dela e que, como em muitas outras historias parecidas, um deles acabou ganhando o coração da mocinha. Todavia, o clima de trisal nunca se desfez totalmente, deste modo, com delicadeza e sem falso puritanismo, a autora deixa no ar, entre outras coisas, dúvidas sobre se existe algo rolando até hoje e questionamentos em relação à verdadeira paternidade dos dois filhos do casal, Jannik (Anselm Haderer) e Dini (Lotte Keiling). Aqui é necessário destacar a leveza da química entre os três protagonistas. Confesso que desconhecia a boa qualidade do trabalho de Max Riemelt e Ronald Zerhfeld, mas de Sandra Hüller sempre espero muito, ainda mais depois do que ela mostrou em suas últimas produções, “Anatomia de Uma Queda” e “Zona de Interesse”. 

A fotografia de O Grande Golpe do Leste, aos cuidados de Martin Langer, acrescenta, com muito capricho e esmero, um elemento de filme antigo, lembrando assim obras que eram rodadas em película. Há quem prefira os longas-metragens digitais, eu, em particular, admito, gosto mais das películas antigas e nesse caso, especificamente, tal semelhança ajuda o público a mergulhar de cabeça no clima e na ambientação da época em que se passa a história. Além disso, outra semelhança para a qual atentei desde as primeiras cenas, foi com as produções germânicas de ótima qualidade e extremamente politizados que invadiram, no bom sentido, o circuito de cinema brasileiro no final dos anos 90 e início deste século.

Desde esse filme, nenhum outro mostrou com tamanha precisão a impotência dos alemães orientais perante o esfacelamento de tudo o que eles acreditaram durante anos. No final, o modo como os respectivos personagens lidam com suas frustrações é bem diferente, contudo, o sentimento é exatamente o mesmo. 

Desliguem os celulares e excepcional diversão. 

Bruno Giacobbo
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

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