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Prédio Vazio: Rodrigo Aragão reverencia o mestre italiano do horror Dário Argento

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O terror, enquanto gênero cinematográfico, respira no Brasil! Eu quase posso apostar que se fizermos uma pesquisa com o público, na saída de uma sessão de um multiplex, a maior parte dos entrevistados não saberá apontar um cineasta brasileiro ligado à esta seara. E quando souber, aposto, o mais citado será Zé do Caixão. No entanto, de José Mojica Marins a Rodrigo Aragão, passando por Jean Garrett, Walter Hugo Khoury, John Doo, Carlos Hugo Christensen, Jair Correia, Juliana Rojas, Gabriela Almeida Amaral, Marco Dutra, Kleber Mendonça Filho e Dennison Ramalho, ou seja, nomes mais ou menos assíduos ao filão, sempre produzimos ótimos filmes de terror. O grande problema, que acaba levando ao desconhecimento por parte dos espectadores, é a pouca penetração destas obras no circuito comercial. Infelizmente, os exibidores tendem a preferir um enlatado americano genérico a uma produção tupiniquim autoral. Assim, sempre que um filme como Prédio Vazio, do capixaba Rodrigo Aragão, chegar ao circuito, temos o dever de correr rapidamente até o cinema mais próximo.

No longa-metragem, o sétimo da carreira de Aragão se contarmos a antologia “Fábulas Negras”, Luna (Lorena Corrêa) tem tido vários sonhos recorrentes. Pesadelos, na verdade. No última dia de Carnaval, quando a Quarta-feira de Cinzas já se avizinha, um destes sonhos se revela mais assustador do que nunca. Quase um presságio. Ela acorda muito assustada, ao lado do namorado Fábio (Caio Macedo), e decide telefonar para a mãe, Marina (Rejane Arruda), que está passando o feriado em Guarapari, no Espírito Santo. Ao longo da conversa, enquanto uma tenta tranquilizar a outra, a ligação subitamente cai. Essa é a senha para que a filha fique ainda mais apavorada e decida ir ao encontro da mãe. Chegando à aprazível cidade capixaba, Luna e Fábio vão direto para o velho Edifício Magdalena, um condomínio que vive cheio na alta temporada e completamente vazio na baixa – será mesmo que ele permanece vazio o resto do ano? E lá conhecerão a misteriosa zeladora do prédio, Dora (Gilda Nomacce). 

Guarapari, terra natal do diretor e roteirista Rodrigo Aragão, é uma daquelas cidades que inflam em feriadões como o Carnaval, por exemplo. É o mesmíssimo caso de Cabo Frio, no Rio de Janeiro. O motorista de aplicativo que apanha Luna e Fábio na rodoviária, informa que o município tem pouco mais de 100 mil habitantes e que em datas como aquela sobe para mais de um milhão. Esse fluxo populacional concede, de modo involuntário, ares de cidade fantasma ao lugar. O realizador que, normalmente, investe em um terror estritamente nacional de cunho rural, ou seja, ligado a lendas populares, vide o seu personagem mais famoso, o chupa-cabras, aqui, resolveu brincar com esse fenômeno migratório. No entanto, em Prédio Vazio, o macrocosmo (a cidade) dá lugar ao microcosmo (o prédio). E funciona, entre outras coisas, porque o cenário já é, por si só, muito aterrorizante. 

Para assustar ou provocar medo, muitas vezes, não é preciso camuflar ou enrolar. Às vezes, nossos maiores medos são frutos de objetos ou de pessoas que estão ao alcance dos nossos olhos. Em um preâmbulo, que parece acontecer muito tempo antes da linha narrativa central, o público consegue antever, logo de cara, que o Edifício Magdalena é amaldiçoado. Há uma aura sinistra infestando o local. Apesar de ter a brasilidade como marca registrada, por este momento inicial e por outros subsequentes, dá para perceber a influência de filmes de terror japoneses como “O Grito” e “Água Negra”. E nesta toada de não esconder e revelar logo, a personagem de Gilda Nomacce, em uma ótima perfomance, também deixa claro que não está ali a passeio. Como e o porquê da sua ligação com a maldição que ronda o prédio, a história responderá posteriormente, todavia, este pequeno mistério não nubla a percepção de que estamos diante de uma personagem realmente assustadora e que já pode ser listada em uma relação de vilões icônicos. 

Rodrigo Aragão – que joga nas onze – dirige, roteiriza e cuida dos efeitos especiais e de seus filmes com o mesmo prazer, nunca escondeu que uma de suas referências é o mestre italiano do horror Dário Argento, de quem pega elementos e ressignifica de forma bem brasileira. Até por isso, assistindo ao longa-metragem Prédio Vazio, não consegui deixar de pensar em um dos melhores filmes nacionais de terror já realizados: “Noite em Chamas”, de Jean Garrett. Um dos meus cineastas favoritos, Garrett se inspirou no enredo de “Inferno na Torre”, película norte-americana, mas a estética de sua obra-prima é toda Argento. Na real, as semelhanças envolvendo os plots (Prédio Vazio vs Noite em Chamas) são poucas, o que me levou a fazer a associação foi mais o fato de toda a ação acontecer dentro de um arranha-céu e, obviamente, a estética, uma vez que ambos possuem o mesmo mestre. Quanto aos efeitos, Aragão é a prova de como é possível fazer um trabalho extremamente bem feito sendo econômico e com um orçamento enxuto. 

Com apenas 80 minutos de duração, Prédio Vazio é um daqueles filmes para se ver no cinema, com tela grande e som bom. É redundância falar isso sobre qualquer obra produzida para os cinemas, certo? Mas a realidade é que algumas são indispensáveis de serem vistas nas melhores condições possíveis. Rodrigo Aragão é herdeiro (não o único) de uma tradição que começou com Zé do Caixão e que, infelizmente, é muito pouco valorizada por seus compatriotas. Festivais como o Fantaspoa, em Porto Alegre, e o Rio Fantastik, no Rio de Janeiro, tentam alimentar e manter viva a cultura dos filmes de terror e horror. Contudo, no fim, conservar esta chama acesa depende muito de nós, espectadores. Ah, atenção com a última cena. É um daqueles momentos inesquecíveis de um filme. 

Desliguem os celulares e excepcional diversão. 

Bruno Giacobbo
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

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