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Quebrando Regras: Cinebiografia flerta com a linguagem documental

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Eu sou totalmente avesso a ideia de que todos os filmes precisam ter uma lição de vida ou uma bela mensagem edificante. Filmes não são episódios do desenho animado do He-Man que, obrigatoriamente, terminavam com uma lição de moral e aquela perguntinha tradicional: “O que aprendemos no desenho de hoje amiguinhos?”. Dito isso, por outro lado, não há mal algum ter uma mensagem se essa for, conscientemente, parte da proposta da obra, algo que ocorre, na maioria dos casos, com histórias inspiradas em acontecimentos reais. A única regra aqui deveria ser não julgar uma produção pelo ausência do tal conteúdo edificante e, sim, somente pela sua proposta, como irei fazer com Quebrando Regras, do cineasta norte-americano Bill Guttentag. 

A trama de Quebrando as Regras começa praticamente com um atentado contra a protagonista Roya Mahboob (Nikohl Boosheri) e os seus irmãos, Ali (Noorin Gulamgaus) e Elaha (Yekta Heidari). Para que possamos entender as razões deste ato de violência extrema, a história retorna dezoito anos no tempo, para 1999, quando ela era ainda uma jovem afegã como outra qualquer. Um dia, na escola onde estudava, a garota entra em contato pela primeira vez com um computador. Só que este era apenas para os alunos homens. A sua sorte é que seus pais eram diferentes dos outros pais afegãos e Roya não aceitou o não como resposta. O tempo avança e, em 2017, a menina já tinha se transformado em uma mulher que sonha em transformar a vida de outras mulheres do Afeganistão. 

Para contar a história de vida de Roya, uma ativista, empresária e empreendedora, a primeira mulher afegã a presidir uma empresa de Tecnologia da Informação e a fundar uma startup, Guttentag escolheu a linguagem mais tradicional possível. O seu longa é uma cinebiografia convencional que, por vezes, flerta com a linguagem documental, ou seja, remetendo assim à arigem do diretor como documentarista. O viés documentarista da produção aparece, principalmente, na mescla de imagens rodadas – e encenadas – para Quebrando as Regras, com depoimentos reais de participantes de competições de robótica – inclusive o de uma brasileira – pelo mundo afora. Sim, vocês leram certo: competições de robótica. 

O maior feito de Roya não foi fugir de um destino pré-determinado para quase todas as mulheres afegãs – casar, ter filhos e servir o marido – e se tornar uma empresária de sucesso que acabou parando na capa da revista Time como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo. Seu maior feito foi fazer com que outras afegãs fugissem do mesmo destino. No início, a empresa dela – a Afghan Citadel Software Company – tinha o propósito de disseminar a paixão pelo estudo da informática como ferramenta de crescimento pessoal. Todavia, com o passar do tempo, os planos se tornaram bem mais ambiciosos e ao descobrir a existência das tais competições de robótica, Roya e o irmão decidiram formar um time composto apenas por garotas para participar dessas competições. Com mais ou menos resistência por parte das famílias e da sociedade local, no fim, eles conseguiram. 

Um boa parte da beleza de Quebrando as Regras está na força de história de superação de barreiras antes intransponíveis. A outra está na química do elenco, quase todo feminino, reunido. As atrizes Amber Afzali, Sara Malal Rowe, Nina Hosseinzadeh e Mariam Saraj, intérpretes de Esin, Haadiya, Taara e Arezo, as jovens escaladas para o time, são todas, sem exceção, marinheiras, ou melhor, programadoras de primeira viagem. Elas nunca tinham feito um filme. E o que poderia ser um risco, provavelmente, involuntariamente, auxiliou na processo de criação de cada uma das personagens. Com o respeito às devidas diferenças, o frio na espinha e a sensação de borboletas no estômago de estar realizando algo de forma inédita são análogas. E elas vão muito bem, tanto entre as quatro, quanto no hora de contracenar com atores experientes como Nikohl Boosheri e Noorin Gulamgaus. 

Quebrando as Regras me fez pensar em outra obra cinebiográfica, que também conta uma história de superação, chamada Milagre no Gelo. As semelhanças estão no tom quase clichê adotado em diversas cenas, nas frases motivacionais proferidas por alguns personagens que, só pelo forma como foram ditas, a gente tem quase certeza que elas não existiriam na vida real, e na convicção do final feliz. Acontece que um narra a luta de uma mulher para emancipar as mulheres do seu país e o outro a saga de um time de hóquei de gelo em uma Olimpíada de Inverno. E aí é óbvio que a importância do tema faz um filme ser mais relevante do que o outro e torna determinados situações desculpáveis, ainda que de maneira culposa, confesso, eu goste de ambos.

Desliguem os celulares e boa diversão. 

Bruno Giacobbo
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

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