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Vencer ou Morrer faz leitura histórica da Revolução Francesa

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Vocês já devem ter escutado, muitas vezes, que a história é escrita pelos vencedores, né? Não que esse pensamento esteja errado. Ele é acertado, só que não pode ser levado ao pé da letra. Se encararmos de forma simples, sem interpretação, ele quer dizer literalmente o que está escrito: que só se escreve sobre quem venceu e que essa é a única história que importa. A versão oficial. Porém, não é bem assim. Escreve-se sobre todos os lados. Todo mundo que pensa, fala, se expressa, pode contar a sua versão dos fatos. Só que, de fato, os que vencem tem a primazia do discurso. Como historiador que sou, acho a “Revolução Francesa” um dos mais formidáveis capítulos de luta política da história da humanidade. Os seus ideais eram nobres e revolucionários do naipe de Maximillien Robespierre tinham, no papel, ideias fantásticas. No entanto, uma vez encastelados no poder, estes mesmos homens se perderam e a luta contra a tirania se transformou em outra forma de tirania. Esta é a história, ou melhor, apenas uma das histórias que aprendemos através dos livros escolares. Mas existem outras, capítulos igualmente formidáveis, como, por exemplo, a contrarrevolução real e católica da Vendeia, retratada no longa-metragem Vencer ou Morrer, dirigido pela dupla de cineastas franceses Vincent Mottez e Paul Mignot. 

Este episódio histórico, uma Guerra Civil, ocorreu, com direto a uma breve intermitência devido a um fracassado tratado de paz, entre os anos de 1793 e 1800. Os jacobinos, líderes da revolução que pôs fim à monarquia, em 1789, e que teve como marco o episódio que ficou conhecido por “Queda da Bastilha”, diziam representar todo o povo francês, mas isso não era verdade. Na região da Vendeia, uma área costeira localizada ao sul do Vale de Loire, a população local, em sua maioria, era favorável ao rei e com isso professava a fé católica, religião rejeitada pelos republicanos que estavam no poder. Esse combo, somado a um sentimento de injustiça provocado pelas ações tirânicas do novo governo, conduziu a uma contrarrevolução que teve alguns líderes importantes. E entre esses líderes, figurava um jovial oficial da marinha real francesa que participara da guerra de independência dos Estados Unidos, o general François Athanase Charette de La Contrie (Hugo Becker), o protagonista deste filme. 

O roteiro de Vencer ou Morrer, escrito por um dos diretores, Vincent Mottez, tem como recorte temporal os anos que vão de 1793 a 1796. Nesse último, após se transformar no principal inimigo da República, Charette, enfim, acaba capturado, julgado, condenado e morto. E apesar do filme ser todo narrado em primeira pessoa, com o general contando de forma retrospectiva e com um olhar um tanto quanto melancólico tudo o que aconteceu na guerra, ele não é o único personagem a receber algum destaque por parte da história, afinal, ninguém pega em armas e faz uma contrarrevolução sozinho. Faziam parte do seu círculo íntimo o tenente do exército real Jean-Baptiste René de Couëtus (Gilles Cohen), o jovem e idealista cavaleiro Prudent de La Robrie (Rod Paradot) e o religioso católico Ababe Remaud (Jacques Milazzo). Com o tempo, outras pessoas se juntaram a esse círculo, inclusive várias mulheres como a condessa Marie Adelaide de La Rochefoucauld (Dorcas Coppin) e a aristocrata Celeste de Bukeley (Constance Gay), que receberam a alcunha de amazonas devido à coragem mostrada nos campos de batalha. Aqui, vale frisar que quase todos esses personagens realmente existiriam. 

Vencer ou Morrer é um drama histórico de guerra, que consegue ser bem mais particular e intimista do que outros filmes do gênero. Uma das razões é o fato de ter um narrador tão presente. A voz de Hugo Becker nos conduz ao âmago dos anseios e dos últimos pensamentos do protagonista. Mas há também a fotografia que acrescenta acordes de poesia em tomadas que deveriam parecer bem mais duras e realistas. A cargo do diretor Alexandre Jamin, a fotografia transita por paletas diversas. Ela vai do prata pálido e esfumaçado, utilizado nas cenas de batalhas, ao dourado luminoso e radiante, que destaca o raiar de um dia ou cair de uma tarde após uma jornada vitoriosa. E há ainda a questão orçamentária. O filme de Vincent Mottez e Paul Mignot é uma espécie de “Coração Valente”, a obra de Mel Gilson vencedora do Oscar, sem o dinheiro, o marketing ou o glamour de uma produção hollywoodiana e isso, claro, pode influenciar na percepção que o público tem de todo o resto. Agora, se há um aspecto em que os dois longas não diferem nada, este é o fato de sabermos que o personagem principal não triunfará e mesmo assim insistimos em torcer por ele até o fim. 

A contrarrevolução ou a Guerra da Vendeia, como quiserem chamar, foi um evento histórico de grande importância, apesar de ter sido relegado a nota de rodapé dos livros escolares. A milícia comandada por Charette, em algum momento, chegou a ter algumas centenas de milhares de homens e mulheres e foi chamada de “Exército Católico e Real”. Só para se ter uma ideia, ao longo de oito anos, morreram, aproximadamente, 40 mil cidadãos da Vandeia. Já o total, se somarmos todas as baixas, chega a quase 200 mil pessoas. Sim, inegavelmente, muita gente. Esses números assustadores e o foco em acontecimentos macros, a partir, claro, do olhar retrospectivo do protagonista, podem servir para explicar o único pecadilho do filme: a ausência de mais informações sobre toda a entourage do general. Eu gostaria de conhecer um pouco melhor as amazonas e todos os outros personagens relevantes da trama de Vencer ou Morrer. Por outro lado, eu sei que dentro do enfoque pretendido, tais informações talvez atrapalhassem o ritmo da obra alongando-a desnecessariamente. 

Desliguem as celulares e excelente diversão. 

Bruno Giacobbo
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

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