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Natal Sangrento: Remake assume estética trash com convicção

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Em Natal Sangrento, o cineasta Mike P. Nelson enfrenta um desafio raramente bem-sucedido em Hollywood: refazer um clássico de 1984 sem recorrer ao tributo óbvio, à nostalgia gratuita ou ao reboot preguiçoso. O filme reproduz fielmente a abertura do original (o homem fantasiado de Papai Noel que enlouquece após testemunhar o assassinato dos pais) apenas para, em seguida, romper com qualquer expectativa ao introduzir um salto temporal de 17 anos que altera radicalmente a narrativa.

Rohan Campbell interpreta Billy Chapman na fase adulta. Longe do protagonista histérico do primeiro filme, Nelson apresenta um Billy emocionalmente devastado: olhar exausto, barba irregular e uma voz constantemente tensionada. Ele chega a um pequeno motel, novamente vestido de Papai Noel, disposto a matar. O diretor (também responsável pelo roteiro), administra essa revelação com precisão, mantendo o espectador em dúvida sobre a natureza do personagem: trauma, delírio ou algo sobrenatural. Natal Sangrento, certamente, se recusa a entregar respostas fáceis, e essa escolha fortalece o impacto dramático.

A entrada de Pam (Ruby Modine) altera o eixo do filme. Funcionária da loja de enfeites natalinos do pai, ela entoa canções de Natal com fina ironia e convive com um diagnóstico de Transtorno de Personalidade Explosiva. O encontro com Billy estabelece uma dinâmica de vulnerabilidades compartilhadas, não como romance, mas como reconhecimento mútuo de dois indivíduos à deriva. Em uma das melhores cenas, ambos dividem um balcão iluminado por luzes intermitentes e Billy, por um instante, esboça um sorriso que nunca chega a se completar. Aliás, a possível redenção do personagem surge sempre carregada de ambiguidade, como uma promessa que pode se desfazer a qualquer momento.

Paralelamente, crianças começam a desaparecer na cidade. Os cartazes com rostos sorridentes espalhados pelos postes reforçam a sensação de urgência, enquanto a polícia se mostra ineficaz. O filme explora com habilidade a tensão entre o passado de Billy e os novos crimes: embora o período do Advento coincida com o reinício das mortes, os sequestros não se encaixam em seu modus operandi. Nelson conduz esse jogo de expectativas sem recorrer a artifícios desonestos. Cada morte é coreografada com criatividade, e o humor (pontual e propositalmente ácido), funciona como respiro sem comprometer a atmosfera.

Visualmente, Natal Sangrento assume sua estética trash com convicção. Além disso, uso predominante de luzes em tons vermelho e verde, o sangue reminiscente artificial e a trilha sonora que mistura jingles natalinos a guitarras distorcidas compõem um universo estilizado. Em alguns momentos, o filme evoca ecos de Tarantino e John Carpenter, com toques inesperados de comédia romântica à La Richard Curtis, tudo ambientado em cenários de estrada.

O elenco é composto por rostos pouco conhecidos, o que contribui para uma sensação de autenticidade: são personagens imperfeitos, com sotaques regionais verossímeis, e suas mortes têm um impacto emocional incomum em produções do gênero.

No terceiro ato, o diretor abraça o absurdo deliberadamente. Sequências de ação envolvendo enfeites natalinos são coreografadas com humor e energia, sem que o filme perca coerência interna. O roteiro une passado, trauma, culpa e possíveis caminhos de cura em uma narrativa concisa de 96 minutos, com explicações suficientes para evitar pontas soltas, mas sem apelar para um desfecho artificialmente otimista.

Quando os créditos começam a rolar, fica a sensação de ter assistido a algo raro: um remake capaz de dialogar com o original, atualizá-lo e, ao mesmo tempo, se sustentar como obra própria. Natal Sangrento se firma como um dos remakes de terror mais competentes das últimas duas décadas e demonstra que ainda é possível produzir cinema de gênero com identidade, vigor e irreverência. Se Hollywood seguisse menos fórmulas e mais essa ousadia, talvez os remakes deixassem de ser motivo de desconfiança e se tornassem motivo de expectativa.

Desliguem os celulares e excepcional diversão. 

Bruno Giacobbo
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

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