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Sorry, Baby retrata a realidade mais cruel que uma mulher pode viver

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Sorry, Baby é um daqueles filmes que parecem ter sido feitos no sussurro, quase pedindo licença para existir. E, mesmo assim, não sai da sua cabeça depois que os créditos sobem. Eva Victor, em sua estreia absoluta como diretora e roteirista (além de protagonista) entrega uma das performances mais devastadoramente contidas que vi nos últimos anos. Ela é Agnes, uma professora do ensino fundamental que, traumatizada, vive como se o tempo tivesse esquecido de passar para ela. A cidade onde mora é um inverno sem fim: neve suja, céu baixo, apartamentos que cheiram a mofo e solidão. A fotografia de Mia Cioffi Henry retrata puro desespero cromático, com um tom azul-acinzentado, sem um único raio de sol para dar alívio, é bonito de doer.

O filme é dividido em cinco capítulos com títulos que parecem tirados de um diário secreto: “O Ano do Bebê”, “O Ano do Acontecimento Ruim”, “O Ano das Perguntas”, “O Ano do Bom Sanduíche” e “O Ano do Bebê” (de novo). Essa estrutura não linear é cruel de tão precisa. A gente circula, dá voltas, volta ao mesmo ponto — exatamente como o luto funciona. Eva Victor tem a coragem de não explicar o trauma de Agnes de cara (e quase não tem no meio também). Ele vai se revelando em migalhas, em silêncios, em olhares que duram três segundos a mais do que deveriam. Quando finalmente entendemos o que aconteceu, não é catarse: é um soco quieto no estômago que Sorry, Baby desfere.

Enquanto isso, a vida ao redor segue girando sem pedir licença. A melhor amiga Lydie (Naomi Ackie, ótima) aparece primeiro grávida, depois com o bebê no colo. O mundo envelhece, tem filhos, muda de casa, faz planos. Agnes continua na mesma casa, trabalhando no mesmo lugar, olhando para o teto como quem espera que ele desabe de uma vez. O humor (porque sim, o filme é engraçado do jeito mais triste possível) vem justamente desse desencontro. Agnes ri em momentos em que não deveria; fica séria quando todo mundo ri.

O elenco pequeno de Sorry, Baby é perfeito em sua fragilidade. Lucas Hedges faz Gavin, o vizinho que bate à porta com biscoitos queimados e uma paixonite desajeitada que Agnes nem sabe se quer corresponder. Ele traz o único sopro de calor humano do filme, mas mesmo assim, é um calor meio quebrado, meio sem jeito. Já John Carroll Lynch aparece por uns 10 minutos mágicos como um estranho no parque que oferece a Agnes o tal “bom sanduíche” do título. É uma cena tão simples e tão cheia de ternura que você quase acredita que o mundo ainda pode ser salvo por pão com maionese e gentileza aleatória.

Todavia, o filme inteiro está nas costas de Eva Victor, e ela aguenta firme! Você esquece que está vendo sua estreia como diretora e roteirista. Esquece que é ficção. Só resta uma mulher destruída tentando juntar os cacos sem fazer barulho. No final, quando o título finalmente faz sentido (não vou entregar, mas prepare o lencinho e o coração), a sensação não é de redenção barata. É de sobrevivência mínima, quase teimosa. Agnes não vira outra pessoa. Ela só consegue, enfim, dizer “sorry, baby” para si mesma. E isso já é muito.

Sorry, Baby é pequeno, imperfeito, áspero nas bordas — exatamente como a vida de quem já passou por um acontecimento ruim. É o tipo de filme que a A24 faz parecer fácil, mas que quase ninguém consegue. Fica na cabeça, na garganta, no peito. Recomendo com força. E, se puder, veja no cinema: o silêncio da sala amplifica tudo.

Desliguem os celulares e excelente diversão. 

Bruno Giacobbo
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

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