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A Estrela Cadente acerta na mistura de gênero com diversão garantida

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Quantos são os gêneros cinematográficos? Para o Globo de Ouro é como se existissem apenas dois: drama e comédia/musical. Se consultarmos a Wikipédia, o verbete em português cita 24 gêneros (?!?!) colocando, por exemplo, musicais e filmes de dança em nichos diferentes. A verdade é que o consenso aponta para existência de oito gêneros clássicos (ação, comédia, drama, romance, terror, suspense, ficção científica e documentário) e vários subgêneros surgidos posteriormente a partir da experimentação realizada por cineastas e, claro, produtores sedentos por gordas bilheterias. Dito isto, a razão de todo este preâmbulo é a obra sobre a qual versa esta crítica, o longa-metragem belga A Estrela Cadente. Realizado pelo casal Dominique Abel e Fiona Gordon, ele surpreende ao entregar uma inusitada e divertidíssima mistura de um subgênero, filme noir, com um gênero, comédia.

Oitava direção conjunta de Abel e Gordon, A Estrela Cadente conta a história de Boris e Dom, ambos interpretados pelo próprio Abel. O primeiro é um ativista político que vive anônimo em Bruxelas. Ele trabalha como bartender em uma espelunca chamada “A Estrela Cadente” que é administrada por sua companheira Kayoko (Kaori Ito). Além dela, só quem conhece seu passado é Tim (Philippe Martz), uma espécie de faz-tudo e segurança do local. Já o segundo é um camponês deprimido que reside em uma pequena propriedade rural, cuida de um cachorro e produz vinho caseiro. Os caminhos dos dois se cruzarão após o paradeiro de Boris ser descoberto por um estranho com contas a acertar com o passado. Kayoko terá a ideia de trocá-los de lugar. O problema é que Dom tem uma ex-esposa, a detetive Fiona, interpretada por Gordon. Esperta, a mulher não engolirá a farsa e iniciará uma investigação particular.

O marketing de lançamento do longa acerta ao propagandeá-lo como um “filme noir colorido”. Desde 1974, quando a obra-prima Chinatown, de Roman Polanski, ressuscitou, repaginou e reposicionou um subgênero considerado morto, a utilização exclusiva das cores preta e branca deixou de ser uma condição sine qua non deste tipo de produção responsável pela consagração de astros da categoria de Humphrey Bogart e de Lauren Bacall. Todavia, outras características, determinantes ou corriqueiras, tipo, o jogo de luz e de sombras, os ambientes esfumaçados, o tempo chuvoso, a sensação de um ar quase sempre pesado sufocando os personagens, estão plenamente presentes. E embora nem todo noir seja uma história de detetive, vale ressaltar, a clássica trama investigativa. Acontece que aqui é como se Bogart e Bacall tivessem trocado de papéis, cabendo a ela a figura do investigador astuto.

Por outro lado, faltou bater na tecla de que A Estrela Cadente não é somente isso. É muito mais. Todas as características listadas acima se juntam a um humor peculiar, que beira o absurdo, típico dos filmes de Mr. Oizo, o cineasta e músico francês Quentin Dupieux. Quem já assistiu à Rubber, o Pneu Assassino (2010), Wrong (2012) ou Deerskin: A Jaqueta de Couro de Cervo (2019), só para ficar nas obras que o público brasileiro, de alguma forma, teve acesso, vai entender o que estou falando. Para quem nunca viu nada do diretor, basta saber e imaginar, para ficar com um pouco de água na boca, que, em uma das cenas mais engraçadas, um personagem vai a um hospital recolocar um braço, digamos assim, amputado e todo o processo cirúrgico ocorre como se ali fosse uma oficina mecânica. O melhor de tudo é que ninguém acha isso estranho, vide a tranquilidade de uma senhora que espera do lado de fora da sala de cirurgia.

É claro que esta mistura poderia não ter funcionado em A Estrela Cadente. No entanto, a história nos mostra que ousadia, inventividade e experimentação, na maior parte do tempo, fizeram muito bem à indústria cinematográfica. Afinal, sem nada disso não teríamos saído dos oito gêneros clássicos para tantos subgêneros. Em seu segundo filme exibido aqui no Brasil, o primeiro foi Perdidos em Paris, de 2017, Dominique Abel e Fiona Gordon acertam na mosca ao unirem o melhor de dois mundos bastante diferentes. E é claro, também, que sempre vai ter alguém para reclamar, para dizer que duas coisas tão distintas não combinam. Contudo, para falar é necessário, inicialmente, que as pessoas corram até o cinema mais próximo e vejam o filme. Eu estou na torcida.

Desliguem os celulares e excelente diversão.

Bruno Giacobbo
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

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