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De Pai Pra Filho: Paulo Halm nos presenteia com uma comédia dramática emocionante

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De Pai Pra Filho começa com a câmera flagrando todos os movimentos de um homem em casa. Ao fundo, uma música ecoa do que seria uma vitrola. A trilha sonora diegética ainda não entrega quem é o nosso personagem, mas já dá uma pista. O homem fecha uma janela e a veda com fita isolante ou crepe, não sei. O que ele está pretendendo? Em breve saberemos. Na sequência, ele se dirige até a cozinha. Abre o forno e liga o gás. Ato reflexo, coloca a cabeça dentro e aguarda. Os minutos passam e o cara parece se lembrar de alguma coisa. Levanta, vai até o corredor e cai. Corta. Na cena seguinte vislumbramos um rapaz, José (Juan Paiva), diante de um advogado. O doutor faz uma rápida leitura do testamento e informa o que o jovem herdou de seu pai: um cheque e um apartamento em Copacabana com a porteira fechada. Está estabelecida a ligação entre os dois personagens que separadamente, em um primeiro momento, estrelam o filme de De Pai Pra Filho, do cineasta Paulo Halm. 

Machado, ou seu Machado, como era formalmente conhecido pelos vizinhos e pelo porteiro, interpretado por Marco Ricca, em mais uma atuação que vale o ingresso, é o homem que protagoniza a metade inicial do primeiro ato deste longa-metragem. Uma pequena sumidade do Rock nacional dos anos 80, quando integrava a banda Capa Preta, até decidir atentar contra sua própria vida, ele vivia o ocaso dos seus dias, recluso em um apartamento velho e escuro, longe dos holofotes e contrastando com os dias dourados de sua juventude musical. Com a música, desfrutou do sucesso e do amor de belas mulheres. Viveu intensamente, como se diz por aí. No entanto, por causa dela, se afastou da mulher e do filho. Das pessoas que mais lhe amavam e que ele mais amava também, ainda que, na época, provavelmente, não tivesse total consciência disso. Agora, morto, o tempo do arrependimento e da reconciliação passou. Ou será que não? 

No mesmo edifício em Copacabana, temos Dina (Miá Mello) e Katarina (Valentina Vieira), mãe e filha, moradoras do apartamento 804 e protagonistas também de uma história triste. Os primeiros encontros entre José e Dina são completamente aleatórios, no elevador e em situações nada memoráveis. Já o de José com Kat, como a menina é chamada, é dotado de uma particularidade: ele está carregando uma caixa com velhos LPs que pertenciam ao seu pai. A garota, viciada em música, fica encantada com o pequeno baú do tesouro. Desta forma, a música que afastou pai e filho, aqui, se configura como conexão e elemento catalisador entre duas pessoas estranhas que, de outra maneira, talvez, nunca trocassem mais do que um protocolar “bom dia, boa tarde e boa noite”, no elevador daquele prédio. Aliás, duas não, três: José, Kat e, claro, Dina. 

De Pai Pra Filho tem muitos momentos de romance e um leve flerte com as típicas comédias românticas norte-americanas em algumas de suas cenas, todavia, o flerte principal se dá mesmo com o realismo fantástico. Ainda que a história se encerre com uma bela cena ao ar livre, poucas são as tomadas com esta vibe ao longo de duas horas de filme. A maior parte dos takes ocorre dentro do velho e escuro apartamento, um lugar que após a morte de Machado, certamente, adquiriu uma aura mística. No cinema e na vida real, para os que creem, a morte nunca foi um impedimento para nada. Na ficção, de Amor à Queima-Roupa (1993) a E Se Fosse Verdade (2005), há um vasto histórico de obras onde seus protagonistas se comunicam com figuras fantasmagóricas e etéreas. O resultado desta comunicação, via de regra, influencia decisivamente nos rumos de suas respectivas tramas. Aqui, não será diferente. E se a vida não deu uma segunda chance para pai e filho, a morte, neste caso, tende a ser um pouco mais piedosa. 

Salvo um engano por parte deste crítico, De Pai Pra Filho é o primeiro longa-metragem de Paulo Halm como cineasta, sua experiência maior, até aqui, foi como roteirista e autor de novelas. E era justamente este o gancho que eu queria pegar. Talvez algumas pessoas encarem a trama do filme como um grande novelão. Há drama, choro, amor, riso e pieguice, sim, para todos os gostos. O título da obra também pode levar algumas pessoas a se perguntarem: o que o pai deixou para o filho, fora um apartamento repleto de lembranças que não são necessariamente boas? Para mim, a principal herança de Machado para José foi o exemplo do que não deve ser feito quando você é pai. Enquanto algumas pessoas usam a ausência paterna para justificarem os seus próprios comportamentos, outras fazem o contrário, miram no mau exemplo para fazerem justamente o oposto. No fim das contas, a obra de Halm é sobre isto e outras coisas mais, como o perdão e a reconciliação antes tarde do que nunca. Destaque para a trilha sonora diegética, atribuída à fictícia banda Capa Preta, composta por Felipe Rodarte em parceria com o próprio diretor. 

Desliguem os seus celulares e boa diversão. 

Bruno Giacobbo
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

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