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Os Sapos confirma a vocação de Clara Linhart como libelo feminista

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Chamar um filme de feminista virou, em nossos tempos, um lugar comum ou um chavão, se assim vocês preferirem, fruto de uma necessidade e de uma reparação histórica que é dar mais protagonismo às mulheres na indústria cinematográfica. Todavia, no afã de dar vazão a esta ânsia, ocorre que algumas obras são erroneamente classificadas. Dito isto, uma pergunta se impõe: O que torna uma produção de fato feminista? A história? Uma prevalência das atrizes em relação aos atores? A direção? A autoria do roteiro? Muitos são os elementos, porém, poucos são os filmes que conjugam tudo isso no mesmo balaio, um desses, é o brasileiro Os Sapos, terceiro longa dirigido pela cineasta Clara Linhart.

Os Sapos

Adaptação cinematográfica de uma peça homônima, com a transposição dos palcos para as telonas assinada pela própria dramaturga, Renata Mizrahi, a história tem como protagonista Paula (Thalita Carauta), uma jornalista que viaja para o interior com a intenção de reencontrar sua velha turma do colégio. No entanto, chegando em seu destino, uma rústica cabana, ela descobre que o anfitrião, Marcelo (Pierre Santos), um dos seus velhos colegas, cancelou o evento para ficar a sós com a namorada, Luciana (Karina Remi), e esqueceu de avisá-la. Apesar de um certo constrangimento inicial, Paula decide ficar ao menos uma noite e logo conhece um segundo casal: os vizinhos Cláudio (Paulo Hamilton) e Fabiana (Veronica Reis).

Além de ter Paula como protagonista, a trama gira basicamente ao redor das personagens femininas, a tal prevalência que citei mais acima. A presença da jornalista vai mexer no relacionamento de Marcelo e Luciana que, a princípio, desfrutariam de um final de semana de lua de mel. Culpa dela? Não, na verdade, do proprietário da casa que, aos poucos, mostra ter um caráter frívolo, frouxo, típico de quem não é capaz de levar tão a sério uma relação amorosa, talvez, por um entendimento diferente da namorada sobre a natureza do compromisso deles. Paula também causa um alvoroço no relacionamento de Cláudio e Fabiana, de novo, sem ter qualquer culpa no cartório. Destes tumultos, após alguma desconfiança inicial entre as personagens, principalmente Luciana e Paula, surge um autêntico sentimento de sororidade.

Tanto a peça como, consequentemente, o roteiro de Os Sapos, são baseados em fatos reais. Saber disso reforça a sensação de veracidade de cenas escritas de forma tão orgânica e tão humana. Se você está na casa dos quarenta anos, como eu estou, você, provavelmente, cresceu em um mundo em transição: nossa geração não é nem a dos nossos pais, nem a dos nossos filhos, sobrinhos e afilhados. Desta forma, alguns de nós conservam uma mentalidade mais conservadora, machista e outros, felizmente, já conseguiram dar um passo à frente e se desvencilhar de determinados preconceitos. Olhando retrospectivamente, consigo identificar os comportamentos de Marcelo e, principalmente, de Cláudio em vários homens que conheci ao longo da vida. Assim, o que assistimos em cena é reprovável e em muitos momentos deplorável, mas crível e fascinante em termos de dramaturgia. 

Se Cláudio é o personagem mais repleto de camadas, o que o coloca fácil na categoria de vilão sem atrapalhar a prevalência das personas femininas, os papéis vividos por Thalita, Karina e Verônica não ficam atrás em termos de riqueza substancial e diferem bastante uns dos outros. A protagonista, de cara, parece a mais plena emocionalmente. Só que o desenrolar do enredo revela uma faceta não tão plena e fruto de uma dor recente. Luciana, por sua vez, passa a imagem de ter uma relação calma, feliz e estável. Todavia, mais uma vez, esta fachada esconde outras coisas: o que é de consumo externo não é o que ocorre sempre no dia a dia, na circunscrição de quatro paredes. Já Fabiana é a mais cristalina no que tange as facetas de sua relação matrimonial. Logo no primeiro contato com Paula, ela se abre por completo. Não há dissimulações visíveis, mas há uma dose maior de dependência emocional. A tal sororidade citada anteriormente nasce destas diferenças e da compreensão mútua dos problemas umas das outras. 

Com atuações inspiradas, o texto de Renata Mizhari é rico em bons diálogos e organizado dentro de uma estrutura teatralizada, com poucos cenários, Os Sapos retumba forte e pode calar fundo no coração, despertando por parte do público reações de indignação.

Sob a batuta segura de Clara Linhart, Os Sapos confirma a sua vocação de libelo feminista, tanto pelo tema, quanto pela maneira como trata este, e se dá ao luxo ainda de ter uma equipe técnica – a produtora Fernanda Abreu, a diretora de arte Ana Paula Cardoso, a figurinista Paula Ströher e a fotógrafa Andrea Capella – quase toda formada de mulheres. O que nos leva a concluir que os anfíbios presentes no título são uma referência aos sapos que Paula, Luciana, Fabiana e milhões de mulheres reais, inclusive as profissionais que fizeram este longa-metragem, engolem todos os dias para provar o seu valor em um mundo em transição, contudo, ainda conservador e machista. 

Desliguem os seus celulares e excelente diversão. 

Bruno Giacobbo
Bruno Giacobbo
Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.

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